Artigo:A nossa metodologia é maravilhosa. E é preciso estar sempre a melhorar

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A nossa metodologia é maravilhosa. E é preciso estar sempre a melhorar

Teresa Santos, professora e delegada sindical na escola da Graça de A Voz do Operário, dá-nos um testemunho muito particular e vivido da sua experiência profissional e sindical. Num momento em que se comemoram os 140 anos da fundação da Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário, Teresa Santos falou-nos de como se entrelaçam, na sua vivência, o seu percurso como professora e o percurso de A Voz.

Lígia Calapez
| Jornalista |

Para a nossa entrevistada, tudo começou quando ficou desempregada, como muitos outros trabalhadores da Covina, nos anos 80. Trabalhava, então, no Jardim de Infância da empresa. “Já aí tive muita sorte, porque fui parar a uma equipa pedagógica de professoras, de educadoras, mais velhas que eu, que já trabalhavam em pedagogia ativa.”

“Andei à procura das referências que eu tinha. Referências até de espaço, materiais, forma de pensar, forma de falar. Em pedagogia, claro”, diz. E assim foi bater à porta de A Voz do Operário, na Graça, cujo coordenador era, na altura, Pascal Paulus. Integra, então, a equipa da Escola da Ajuda, onde tinham falta de uma educadora para os tempos livres. 

O primeiro contacto com a escola da Ajuda foi marcante. “Fiquei apaixonada, porque, sendo educadora, eu nem queria acreditar. Aquilo era a escola dos meus sonhos. A sala com as áreas de atividade, com barro, pintura, tapeçaria, imprensa. Fiquei maravilhada".

“Desde aí que eu posso dizer que mergulhei na metodologia de A Voz. Com o apoio da equipa com que trabalhava. E, depois, aferia os resultados da minha prática nos congressos do MEM”. “Posso dizer que estes anos todos foi sempre a estudar, foi sempre a procurar, foi sempre a tentar melhorar”, conclui.

 

Tem de se acreditar nos miúdos. Tem de se acreditar que os miúdos são capazes

No início dos anos 90 — ainda sem licenciatura e mestrado (que concluiria em 2017) — Teresa Martins passa a dar aulas na escola de A Voz do Operário da Graça. “Foi uma grande desilusão. Porque eu estava convencida que na Graça era igual à Ajuda e não era”. Só formalmente se realizavam os Conselhos (na altura chamavam-se assembleias), na verdade só entre educadoras. “Portanto, isto da democracia na escola, tem muito que se lhe diga. O próprio professor tem de aprender”, comenta . “Tem de se acreditar nos miúdos. Tem de se acreditar que os miúdos são capazes. E, quem não tem uma certa rodagem, ainda duvida”. 

Optou então por dar o seu próprio exemplo prático. “Eu fazia danças no hall de entrada, fazia teatro, fazia pinturas coletivas. E fazia um Conselho a sério. Com os meninos mesmo ali na mesa”. 

Entretanto, com o contributo do rejuvenescimento do corpo de educadoras e professoras e o trabalho de equipa, a evolução nas práticas pedagógicas foi profunda. “Fico muito orgulhosa quando vejo os meus periquitos, como eu costumo dizer, no terceiro e quarto ano, no tempo de estudo autónomo, em que eles têm de gerir o que vão fazer, a ir às listas procurar — isto ainda não sei — e, depois irem buscar as fichas, irem treinar”. “Porque eu acho que isso é o motor. É autonomia. É eles saberem mesmo o que é que têm para aprender. E isto é muito, muito, muito importante”, sublinha.

Teresa Santos destaca ainda o trabalho da atual equipa pedagógica. “É mesmo trabalho cooperativo. Eu diria que é 100%”.

“A nossa metodologia é maravilhosa”, salienta. “Não é uma metodologia só nossa, claro. Mas nós temo-la aprimorado, ao longo desses anos. Todos os professores que se dedicaram à metodologia cooperativa, têm sempre presente que é preciso estar sempre a melhorar”.

 

A história de A Voz do Operário é um tesouro

A opção por ir para a escola da Graça, teve também a ver com “uma grande curiosidade” pela história da Voz do Operário. “Queria mesmo ir para a sede, para poder investigar, ir para a biblioteca”.

Foi assim que aprendeu a história da Voz do Operário(1). “Que eu acho que é um tesouro”, comenta.

“Como é que pessoas tão maltratadas, como eram os operários da indústria tabaqueira, analfabetos, que viviam miseravelmente – numa assoalhada vivia pai, mãe, avó, toda a família - como é que estas pessoas, nestas condições, conseguiram ver tão longe? Ou seja, se o meu filho souber ler e escrever, não vai ser explorado como eu. E eu acho que isso, naquela altura, 1883, é um rasgo. É impressionante”. “Daí a minha paixão pela história da Voz do Operário”, conclui.

“Já fizemos vários projetos sobre a história da Voz do Operário”, diz. “Comprei um livro grande, que foi editado por A Voz. E sempre que é o aniversário, em fevereiro, quando vejo que há uma turma que está interessada na história, levo o livro e conto histórias”.

Também o jornal da Voz do Operário registou uma significativa transformação (para a qual Teresa Santos deu o seu contributo). “O que eu fazia era levar trabalhos dos alunos para o gabinete onde estava a jornalista, de forma a que a escola estivesse presente no jornal. Que houvesse textos dos meninos, que houvesse trabalhos. Porque o jornal não tinha nenhum espaço para a escola. Agora já tem. Agora o nosso jornal tem lá as referências todas, da abertura do ano letivo, das festas que vamos fazendo”.

 

O difícil trabalho sindical

Teresa Santos já acumula, pelo menos, três mandatos como delegada sindical. Um trabalho que está longe de ser fácil.

“No seu percurso de vida, há colegas que ainda não tiveram tempo ou oportunidade para perceber a importância do sindicato”, considera. 

No contexto de A Voz do Operário, o seu principal objetivo é “consciencializar as minhas colegas que não é por estarem numa IPSS que estão desfasadas daquilo que se passa no ensino público em Portugal”. 

Assim, enquanto delegada sindical, “o meu trabalho é mesmo consciencializar de que, lá porque estamos de alguma forma protegidos — não se tem que correr aos concursos, não tem de andar de mala às costas, que é uma grande diferença —, não podemos deixar de ser solidários com os outros colegas”.

Entretanto, “a participação dos nossos professores na luta é de 100%”.

“O trabalho de um delegado sindical é uma arte”, conclui.

Texto original publicado no Escola/Informação Digital n.º 41 | Outubro 2023