À memória de Óscar Soares, que nos deixou no dia 21 de abril de 2023
Augusto Pascoal
| Dirigente Sindical |
O Óscar foi um professor dedicado às causas da Educação, aos seus alunos, aos problemas que os professores foram enfrentando, na sua relação com o Ministério da Educação e com as entidades patronais, como aconteceu na Casa Pia de Lisboa. Ele foi também um professor dedicado à sua Escola – a Secundária Emídio Navarro, em Almada, onde trabalhou afincadamente em toda a sua vida profissional e que dirigiu democraticamente, como Presidente do Conselho Diretivo, durante três mandatos.
Conhecemo-nos na luta em defesa da Gestão Democrática das Escolas, ameaçada pelo Ministério da Educação de Sotto Mayor Cardia, defendendo sempre o primado da pedagogia sobre a componente burocrática e administrativa, que a deveria servir. Essa luta vencedora, dinamizada por mais de trinta Conselhos Diretivos da Grande Lisboa e por muitos outros que se lhe juntaram, despertou em nós a vertente sindicalista das nossas vidas, no SPGL, na fundação da FENPROF, em vários mandatos do Conselho e do Secretariado Nacional da Federação e, mais tarde, no Conselho Nacional da CGTP-IN.
No contexto do Sindicato ganhámos e perdemos eleições, mas sempre dispostos a continuar a trabalhar no seu interior, para que ele fosse mais forte e representativo, querendo o melhor para o SPGL e, através dele, para os professores.
Fomos Amigos e Companheiros para a vida, a partir da ação sindical, e inseparáveis, mesmo nos raros momentos em que divergimos. Por isso nos sentíamos como irmãos no seu desenvolvimento. Tive sempre por ele imensa amizade, respeito, estima e admiração, pela sua inquebrável determinação na defesa dos princípios em que acreditava, pela força que imprimia ao que fazia, pela forma de ser e de estar, como cidadão de Abril, que sempre foi desde jovem estudante, muito antes da Revolução, na defesa da liberdade, da democracia, dos direitos humanos, da justiça social e dos valores da solidariedade. No plano sindical, mobilizava outros colegas quando era necessário, para aprofundar o que estava em causa e para agir, com proporcionalidade e sensatez.
Enquanto estudante, no Técnico, foi dirigente associativo e na Universidade de Lisboa um forte dinamizador do Cineclube Universitário.
Como militar, enquanto capitão miliciano, foi comandante da Companhia Militar que batizaram na Guiné de “Raposa da Bolanha” (a Bolanha era um ecossistema da região onde operavam), onde estava no dia 25 de Abril de 1974, já com ligações ao Movimento dos Capitães e à criação do Movimento das Forças Armadas.
No SPGL, foi dirigente durante mais de 30 anos e seu Vice-Presidente em 12 desses anos. Envolveu-se profundamente, como sempre fazia, nos processos reivindicativos, na participação do Sindicato junto dos Grupos Parlamentares da Assembleia da República, na altura da preparação da que veio a ser a Lei de Bases do Sistema Educativo e na definição e negociações do Estatuto da Carreira Docente do ensino não superior. Assumiu um papel determinante nos casos complexos que o Sindicato enfrentou como, por exemplo, os que ocorreram, em 1978, na então Escola Preparatória Visconde Juromenha, em Mem Martins e, em 1982, na Escola Secundária São Julião, de Setúbal (atual Sebastião da Gama). No primeiro deles, na luta pela reintegração dos 71 professores provisórios e do Conselho Diretivo, suspensos pelo Ministério de Sotto Mayor Cardia, porque os professores se recusaram a trabalhar no dia 26 de abril, desse ano, depois da Escola ter sido assaltada pela vigésima vez, no dia 25. No segundo, pela suspensão do Conselho Diretivo, pelo Ministério da Educação de Vítor Crespo, por ter ocorrido um incêndio no sótão da Escola no dia 12 de fevereiro, data da primeira greve geral no pós 25 de Abril de 1974, convocada pela CGTP-IN, quando todo o Conselho Diretivo tinha aderido à greve. Foram processos de luta que envolveram e paralisaram cada uma destas Escolas durante quase dois meses e que os professores venceram integralmente, devido à sua forte e eficaz mobilização, ao apoio que tiveram dos colegas da generalidade das Escolas da Grande Lisboa e à liderança que o SPGL assegurou. Em ambos os casos, tivemos o apoio do Zeca Afonso, do José Mário Branco, do Vitorino e do Janita Salomé, do Fausto, do Sérgio Godinho, do Júlio Pereira, do Pedro Barroso e dos Trovante e da Voz do Operário, que cedeu gratuitamente o auditório para a realização dos espetáculos. Com estas iniciativas e outras que aconteceram nas Escolas, recolheram-se fundos para acrescentar ao Fundo de Greve do Sindicato, para assegurar as remunerações aos professores em greve. Nestes dois processos, o Óscar teve uma participação determinante, com forte influência na definição das estratégias a desenvolver e na sua concretização, com elevados níveis de lucidez, de consciência política, de determinação, de visão sindical, organizativa e de liderança.
No exercício da sua atividade sindical, o Óscar foi um exemplo inspirador para todos nós, que com ele trabalharam mais proximamente, pela sua profunda dedicação às causas da Educação, dos professores e dos trabalhadores em geral, como aconteceu no âmbito dos seus desempenhos na CGTP-IN.
O Óscar foi um excelente camarada, um companheiro e um amigo, firme, combativo, resiliente e leal, de uma modéstia ímpar.
Na área sindical que criámos, por volta de 1990, para intervir no SPGL e na FENPROF, a que chamámos “Sensibilidade”, ele foi o seu principal líder e o melhor de todos nós, com o seu exemplo combativo e interveniente, com uma energia que parecia inesgotável. Ele foi e será uma referência maior a seguir por quantos tiveram a felicidade de com ele conviver e trabalhar.
Apesar da doença de Parkinson que o afetou durante muitos anos, não faltava a nada que ao movimento sindical dissesse respeito. Esteve sempre em todos os congressos do Sindicato, da Federação e da CGTP, nas reuniões dos órgãos a que pertenceu e nas manifestações. Nessas alturas, até parecia que a doença não existia, como se notava pela qualidade das suas intervenções, pelo seu sentido crítico construtivo e se lia nos seus olhos penetrantes, que brilhavam de alegria, por estar a fazer o que era pertinente e necessário.
HONRA À SUA MEMÓRIA!
Texto original publicado no Escola/Informação n.º 308 | maio/junho 2024