Artigo:A Feira de Hanôver e a ‘Indústria’ Portuguesa

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A Feira de Hanôver e a ‘Indústria’ Portuguesa

Portugal esteve representado na feira de Hanôver, a “Hannover Messe”, a maior feira industrial do mundo, sob o lema ‘Portugal faz sentido’ (“Portugal macht Sinn”), com um pavilhão. A imprensa diária referiu largamente o evento que contou com a presença do primeiro-ministro, António Costa, que escreveu um artigo no jornal Público de segunda-feira, onde não se cansou de elogiar os alegados progressos da indústria nacional.
Infelizmente, as estatísticas desmentem o seu otimismo, embora se compreenda o seu esforço para captar investimento alemão para a indústria transformadora portuguesa numa economia cada vez mais dependente da exportação de serviços turísticos. Vejamos então alguns dados e as respetivas fontes:
- Em 2019, o setor secundário ocupava apenas 1212,1 milhares de ativos, enquanto em 1979 empregava 1347,5 milhares; em 2002, data do ingresso no país na zona euro, a população ativa no setor ascendia a 1726,6 milhares, não parando de cair a pique desde então (Fontes: INE, Pordata);
Segundo um estudo comemorativo dos 25 anos da entrada de Portugal na zona euro, coordenado por Augusto Mateus, o valor acrescentado bruto (VAB) da indústria transformadora portuguesa, para além de perder mais de um quinto do pessoal entre 1986 e 2010, registou um aumento declinante a partir da viragem do século combinado com fortes quebras no período de 2007-2010, da crise das hipotecas de alto risco (Mateus, Augusto – 25 anos de Portugal Europeu, Lisboa, Francisco Manuel dos Santos, 2013, p. 105). Em 2012-2019, a taxa média de crescimento deste setor foi de 3,3%, enquanto o ‘boom’ das exportações turísticas foi, em média, de 8,3% (Fontes: INE, Pordata);
- A balança de bens transacionáveis registou saldos negativos crescentes em todos os ramos da indústria transformadora, particularmente nas máquinas e aparelhos, que têm aumentado significativamente a partir do virar do século, e material de transporte, mas também no ramo agroalimentar, com a exceção dos ramos madeira e cortiça e papel, peles, couros e têxteis, calçado e vestuário e minérios (Fontes: Pordata, INE- Estatísticas do comércio internacional 2019-2020);
- O nível de intensidade tecnológica das exportações portuguesas é predominantemente médio baixo e baixo, representando ambos 58,7% contra apenas 41,3% de grau de intensidade alto e médio alto; apesar dos produtos de baixa tecnologia terem registado uma redução de 42,6% para 34,4% do seu peso no total, em 2000-2017, os produtos de média baixa tecnologia foram os que mais cresceram no período, passando de 15% das exportações em 2000 para 24,3% em 2017 (Fonte: Gameiro, Rita Rangel, Evolução das exportações de Portugal, por níveis de intensidade tecnológica, Faculdade de Economia do Porto, 2020, pp. 28-29);
- A intensidade exportadora da economia portuguesa, percentagem do valor das exportações no Produto Interno Bruto (PIB) sem o turismo, era, segundo os dados oficiais da Pordata e do INE, de apenas 19,97%, em 2019, no contexto de um grau de abertura ao exterior de 88,4%, percentagem do somatório do valor das exportações e importações no PIB, o que implica que as importações representam 68,43% do mesmo, e o mercado interno apenas 11,6%, em 2019, em contraste com o ano de 1995, em que ambos representavam 50,19% e 37,7%, respetivamente; tal significa que Portugal é cada vez mais um país de consumidores passivos de bens, tanto de primeira necessidade, como de incorporação tecnológica mais elevada, produzidos no estrangeiro.
Por fim, o dado de maior destaque é, indubitavelmente, o que compara o valor das exportações turísticas com o VAB da indústria transformadora. Em 2019, a primeira ascendia a 18 291 milhões de euros, enquanto o segundo a 22 864,9 milhões de euros (Fontes, INE, Pordata). Se as taxas médias de crescimento de ambos se mantiverem em 8,3% e 3,3%, respetivamente, em 2027 o valor das primeiras ultrapassará o VAB total das segundas. Eis como, num cenário desolador de declínio industrial e de explosão turística, se poderá iniciar a tão elogiada ‘transição ecológica e digital’ made in Portugal. De facto, a indústria transformadora portuguesa que ainda resta é altamente poluente, já que o seu rácio de emissões é, nada mais nada menos, do que oito vezes superior ao espanhol e 40 vezes acima do alemão, a nação mais industrializada da Europa (Fonte: DN, 9/5/2022). Eis como, após se especializar no século XIX na produção de vinho do Porto para consumo da aristocracia e da alta burguesia britânicas, enquanto a Grã-Bretanha se industrializava, Portugal reencontrou a sua ‘nova’ vocação: o turismo, de luxo e de massa, o grande salvador da ‘pátria lusitana”, sob a égide do parasitismo imobiliário ‘rentier’. Daria vontade de rir, se não fosse tão trágico.


Joaquim Jorge Veiguinha