A escalada da tensão: à beira do Armagedom?
Na passada terça-feira um míssil alegadamente enviado pela Rússia caiu na localidade polaca de Przewodow situada a 6 quilómetros da fronteira ucraniana provocando uma enorme cratera e a morte de dois camponeses. Inicialmente, a autoria do disparo foi atribuída à Rússia que continua a bombardear maciçamente a Ucrânia tendo como alvo privilegiado as infraestruturas do país que invadiu. Nesse mesmo dia a Polónia invocou o artigo 4º do Tratado da NATO, segundo o qual os países signatários “consultar-se-ão sempre que a integridade territorial, a independência política ou a segurança de uma das partes forem ameaçadas”. Se tal for o caso, será despoletado o artigo 5º que estipula que um ataque armado contra uma das partes na Europa e na América do Norte será considerado como um ataque a todas as outras.
O Ministério de Defesa russo negou na terça-feira que tenha enviado o míssil para território polaco. Um dia depois, o secretário-geral da Aliança Atlântica, Jean Stoltenberg, disse que é “muito provável” que a explosão em Przewodow provenha da defesa antiaérea ucraniana. Da mesma forma, o Presidente polaco Andrezj Duda reiterou que “a Ucrânia defendeu-se disparando também misseis cujo objetivo era derrubar os misseis russos” (El País, 16. 11 22). Tudo aponta para que tenha sido disparado um projétil de fabricação russa, um velho S-300 pertencente ao arsenal ucraniano, o que torna desnecessária a invocação do artigo 4º. O Presidente dos Estados Unidos adotou uma posição idêntica: “Não quero afirmá-lo antes de que completemos a investigação, porém é improvável, tendo em conta as linhas da trajetória que o míssil tivesse sido disparado da Rússia”. Em contrapartida, o Presidente ucraniano, Zelensky, insistiu em atribuir a responsabilidade do incidente à Rússia, no que foi acompanhado pelos países bálticos, ficando, porém, pela primeira vez isolado no contexto do conjunto de países ocidentais que apoia o seu país: “Aquilo que há muito tempo avisávamos aconteceu. O terror não se limita às nossas fronteiras nacionais (…) os mísseis russos atingiram a fronteira da Polónia” (DN, 17/11/2022).
Na reunião do G20, o Reino Unido, a França, a Alemanha e a União Europeia, bem como os EUA, a Austrália, o Japão e a Coreia do Sul emitiram um comunicado em que “lamentam nos termos mais fortes, a agressão da Federação Russa contra a Ucrânia e exigem a sua retirada total e incondicional do território ucraniano” (Público, 17.11.2022). China, Índia e África do Sul recusaram condenar abertamente a Rússia pela invasão. Felizmente que neste processo predominou a prudência política, já que é pouco credível que o míssil que caiu na aldeia polaca tivesse origem na defesa antiaérea ucraniana a não ser por um improvável efeito retroativo que originou a inversão da sua marcha para cair na aldeia de Przewodow. Há quem diga que o míssil da discórdia foi lançado da Bielorrússia, aliada do Kremlin. Enquanto a Rússia continuar a bombardear a Ucrânia, incidentes deste tipo poder-se-ão repetir e, consequentemente, contribuir para despoletar o artigo 5º do tratado da Aliança Atlântica. O Armagedom nuclear está, por isso, cada vez mais perto. Portanto, torna-se cada vez mais necessário que a Rússia cesse os seus bombardeamentos e que seja negociada uma solução política que conduza ao fim da guerra de agressão contra um Estado soberano e ao estabelecimento já não digo de uma paz justa, mas de uma paz possível que poderá passar por uma eventual consulta democrática, com mediação internacional, às populações filorussas do Leste da Ucrânia sobre se querem ou não fazer parte desta nação ou integrarem o território da Federação russa. Condição primária para o seu estabelecimento continua a ser a retirada da Rússia dos territórios ocupados e a rejeição de falsos referendos conduzidos pela potência ocupante a estas populações.
Joaquim Jorge Veiguinha