A democracia que falece
Um relatório publicado em Dezembro pelo Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA), organização intergovernamental formada por 34 países e baseada em Estocolmo, diz que metade dos governos democráticos do mundo estão em declínio.
Alexander Hudson, co-autor deste relatório, em entrevista recente à Antena 1, por Mário Rui Cardoso, afirmou que a principal conclusão é que há perda generalizada da qualidade da democracia em todo o mundo, e os países não-democráticos aprofundaram medidas repressivas sobre a população ou adoptaram um regime híbrido. Mais de dois terços da população mundial vive sob regimes autoritários, híbridos ou sob regimes democráticos que estão a retroceder.
O relatório avalia o estado das democracias através de cinco indicadores e dezasseis subindicadores, como liberdades civis, níveis de corrupção, participação eleitoral e outros aspectos essenciais à democracia.
As principais conclusões do relatório por região indicam que a Europa continua a ser um bastião da democracia, mas metade dos países europeus sofreram erosões democráticas nos últimos cinco anos e há retrocessos muito significativos na Polónia e na Hungria. O que se passa nos países que estão a retroceder é o partido do governo procurar perpetuar-se através de recuos nas liberdades civis e nas formas de escrutínio ou recuos no poder judiciário e na capacidade do poder legislativo escrutinar o poder executivo. Um dos países com maior erosão democrática é os Estados Unidos, no qual o relatório identifica polarização política, disfunção institucional e ameaças às liberdades civis.
O relatório aponta progressos em países como Gâmbia, Níger ou Zâmbia. A Gâmbia é um dos melhores exemplos no mundo de um país que se democratizou, pouco depois de ter passado por uma ditadura, evoluindo, desde 2017, em quase todos os indicadores. Níger e Zâmbia tiveram em 2021 eleições livres e justas, em que os incumbentes foram derrotados, concluindo-se que estes dois países tiveram uma boa evolução. No último ano, a União Africana e outras organizações económicas regionais foram muito fortes a promover os princípios democráticos.
Os progressos traduzem-se também em formas inovadoras de associação para tentar renegociar alguns termos dos contratos sociais, como está a acontecer corajosamente no Irão.
Verifica-se que os países que já estavam com desempenhos democráticos fracos antes da pandemia foram os que, a pretexto da COVID-19, mais adoptaram medidas limitadoras das liberdades civis.
Segundo o IDEA, é clara a tendência de declínio da qualidade democrática, mas Alexander Hudson ainda tem esperança que muitas destas democracias que estão a passar por retrocessos possam mudar de rumo e melhorar os seus contratos sociais.
Francisco Martins da Silva