A Cunha

A cunha neoliberal tornou-se mais óbvia no Parlamento, por via do marketing político estudado ao milímetro do IL e do Chega. O primeiro, a apostar numa versão clean, mais para o aristocrático, jovem, fresco, informal, contra o “socialismo” do Estado-Providência; o segundo, a arregimentar a raiva, o ressentimento, a violência, a matriz grunha do futebolês, plasmada em frases de regozijo eleitoral como “António Costa: eu vou atrás de ti agora!”, ou aqueloutra espalhada em folhetos por todo o país, berrando “Vamos fazer o sistema tremer”.

A cunha sofreu um upgrade, por três razões: primeiro, são partidos novos, leves de traumas e história, mas fáceis de moldar consoante as conveniências; segundo, estão do lado certo em termos financeiros, com o potencial de atrair muito dinheiro de financiadores ansiosos por alterar a natureza do regime, pondo-o mais ao jeito dos interesses de certos empresários; terceiro, conseguem obter a simpatia do eleitorado jovem a níveis semelhantes ao do PS e do BE, conforme identificado numa sondagem do Expresso.

São partidos que defendem o agravamento objetivo das condições de trabalho, por via da desregulação laboral, da destruição da contratação coletiva e da privatização de serviços públicos, defendendo até, no caso do IL, o fim do ordenado mínimo, mas, ainda assim, conseguem recolher a simpatia e o voto da faixa etária mais afetada por esse tipo de políticas atualmente, precisamente a mais jovem.

Sabemos da relevância que o marketing político tem numa sociedade progressivamente mais e mais mediatizada, cuja realidade se confunde com o universo das representações elaboradas pelas empresas de comunicação social dependentes da publicidade e dos mandos de quem controla a finança, com particular e graves consequências para os jornalistas, pela precariedade a que estão sujeitos e às consequências graves se não se portarem bem.

Não é à toa que Donald Trump se tem vindo a esforçar por criar a sua própria rede social, simbolicamente designada por Truth Social, para não ter que se submeter aos (poucos) escrúpulos da aliada Fox, e ter, assim, mãos livres para fazer correr livre a torrente propagandística da sua “tirania privada”, quase totalmente dominante no Partido Republicano.

Porque é na área ridiculamente pequena dos ecrãs digitais que se define os contornos do mundo e a legitimidade das propostas políticas, numa população crescentemente dependente da ruminação de frases curtas e grossas, soundbytes intrusivos e influencers sem espinha nem cérebro. Mas, pelos vistos funciona.

Há que combater isto, à Churchill, ou seja, em todo o lado e a toda a hora.

Depois da invasão do Capitólio, a 6 de janeiro do ano passado, talvez o mundo esteja um pouco mais desperto para o enorme e permanente desafio que é manter e melhorar a democracia, e do quão importante é dizer “presente” quando é preciso. Foi isso que o povo português fez ontem - também a bem do Ensino e dos seus profissionais.

João Correia