A componente não letiva está cada vez mais letiva
Lídia das Neves Bôto | Advogada
Na continuação de uma leitura mais atenta dos artigos do Estatuto da Carreira Docente, reflito hoje sobre o artigo 82.º que regula a componente não letiva de estabelecimento e individual. Uma das razões para a existência da componente não letiva é a valorização da qualidade do ensino através da preparação adequada das aulas, do aperfeiçoamento pelos docentes das suas práticas pedagógicas, através da formação contínua, apoio aos alunos, supervisão, reuniões pedagógicas, coordenação de atividades, preparação e articulação com a comunidade educativa, da correção de trabalhos e da avaliação, essenciais para promover o sucesso escolar. A componente não letiva permite aos professores realizar estas tarefas com tempo e a atenção necessária à promoção do sucesso dos alunos e à sua própria valorização profissional. As atividades compreendidas na componente não letiva têm sucintamente em comum a inexistência da natureza letiva, isto é, a intervenção em sala de aula ou curricular. Nesta perspetiva, todas as atividades desenvolvidas pelo docente devem estar limitadas à consideração da gestão global do funcionamento da Escola.
Com efeito, estas atividades devem ter um denominador comum: qualquer interação com alunos cinge-se a uma ajuda pedagógica, individualizada e não sistemática. Não pode estar subjacente a esse apoio a preparação ou um outro exercício letivo, pois o docente está no tempo destinado ao não letivo. O tempo letivo é curricular, planeado, delineado e projetado para as turmas ou grupos.
Verifica-se, atualmente cada vez mais uma regulação exaustiva e ocupação do tempo não letivo do docente. Mas nem sempre foi assim. Em 1947, o serviço docente foi fixado em 22h letivas, sem qualquer regulação do tempo não letivo, o que perante a publicação do DL n.º 51/2024, que permite que os horários letivos em escolas ditas carenciadas possam ter um horário de 28 horas letivas extensível até às 32h, nos parece impossível de justificar e, sobretudo, de aceitar.
Esta norma aplica-se inclusive aos docentes com a redução da componente letiva prevista no artigo 79.º do ECD. É de aceitação obrigatória o serviço docente extraordinário até 6h ou, em caso imprescindível, até 10h. Nesta situação, o docente se concordar com o aumento da carga letiva deverá fazê-lo expressamente. O que na verdade representa um retrocesso no ensino, segundo a OIT que já em 1981 considerou “a profissão docente como uma profissão de risco físico e mental”. Melhor dizendo, cada um deve ser exigente na verificação do horário distribuído e não permitir que a sua componente não letiva se torne letiva, enfatizando a importância de serem valorizadas as suas competências e as condições para o aperfeiçoamento das suas práticas pedagógicas. O professor necessita de tempo para preparar a aprendizagem efetiva dos alunos. Encontra-se disponível no site do SPGL toda a informação necessária sobre a organização dos horários.
Texto originalmente publicado no Escola/Informação n.º 309 | setembro/outubro 2024