“A Ciência em Portugal assenta na precarização dos seus trabalhadores”
Pessoas de entre as mais inteligentes e capazes do país são assim tratadas. Como seriam se tivessem enveredado por uma carreira financeira, na banca, nas agências de rating, nos fundos de investimento? Como se pode admitir que os melhores de nós sejam privados de qualquer rede, da remuneração e carreira merecidas, e, até, do simples reconhecimento social sobre a importância incalculável do seu trabalho?
Diz o artigo:
“Os percursos destes trabalhadores precarizados caracterizam-se por longas trajetórias laborais, onde alternam períodos com contratos de trabalho a termo, com períodos com contratos de bolsas e períodos sem qualquer remuneração pelo trabalho que continuam a desenvolver. Esses períodos de trabalho não remunerado são marcados por uma dependência das famílias que necessariamente reproduz desigualdades sociais."
Discursivamente, estes trabalhadores apresentam a “paixão pela ciência” como justificação para a manutenção de uma situação laboral que reconhecem como nefasta aos mais diversos níveis, incluindo o da produção de conhecimento científico. Revelam que a imensa pressão em publicar, as constantes candidaturas e busca de emprego mais estável, se traduz numa diminuição da profundidade do que é publicado.”
Tudo isto é da maior gravidade, atinge o coração da produção de conhecimento e coloca em risco o aproveitamento do potencial humano e económico do nosso país, para além de violar as mais elementares regras do direito à dignidade no trabalho.
Uma sociedade que privatiza a produção de conhecimento científico e a coloca nas mãos dos donos do mundo, sem acautelar a existência de políticas públicas de investigação científica com organismos do Estado à cabeça, assentes na dignificação laboral dos seus principais agentes, os investigadores, é uma sociedade condenada à dependência dos interesses voláteis dos mercados, onde tudo se compra e vende, até a “verdade científica”,
Um Estado democrático, liberal, tem de ter o seu corpo científico, para que haja o ponto arquimédico que permita ao cidadão ter confiança na Ciência.
Quem tem medo de uma comunidade científica independente, não sujeita às pressões de CEO e conselhos de administração, que põe sempre a verdade acima de tudo? Mas para ter isto, é preciso pagá-lo, com investimento, salários e carreiras justas.
Mas a Ciência não pode competir com o Circo, eleitoralmente falando. Não é sexy nem tonitruante, atua benfazejamente nas fundações mais profundas da nossa civilização, e são muito poucos os que o reconhecem, e menos ainda os dispostos a pegar na sua bandeira para fins políticos- muito trabalho para poucos votos.
Trump ostentou o mais asqueroso e absurdo anti-cientismo: ganhou 74 milhões de votos, mais do que o Obama na sua última eleição.
Talvez que a pandemia possa trazer um novo impulso, uma duradoura e nova moda, uma oportunidade para apagar mais umas quantas manchas de obscurantismo da geografia global do nosso planeta. Sem Ciência, estaríamos como em 1918, e, sem Ciência que avance no conhecimento dos vírus, sujeitar-nos-emos a estar muitas mais vezes em modo de pandemia.
João Correia