Artigo:A banalização do massacre

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A banalização do massacre

É impossível ficar-se indiferente à notícia de página inteira do jornal “Público” deste domingo com o título “Ohio: professores vão poder levar armas para as escolas com 24 horas de treino”. Em subtítulo “Proposta de lei foi aprovada pela maioria republicana no estado norte-americano e vai ser promulgada pelo governador nos próximos os dias. Professores dizem que a medida abre a porta a mais tragédias.”

Abre-se a televisão e, para além da banalização da tragédia na Ucrânia, com cidades e aldeias totalmente arrasadas, com vidas mutiladas e definitivamente destruídas e sem um fim à vista para tão terrível horror, do continente norte-americano as notícias são igualmente arrasadoras. Numa escola primária no Texas, a 24 de Maio, um jovem matou a tiro 19 crianças e duas professoras. Desde então, é raro o dia que não haja uma notícia de tiroteios e de mortes, já que andar armado naquele país é tão normal e aceitável como beber uma bica. Mas, voltando às escolas norte-americanas, com esta lei, uma formação de 24 horas é quanto basta para qualquer professor ou funcionário de uma escola do Ohio ir para a escola armado. Tão simples como isto, num país em que o lobby das armas é quem manda. Já antes, o porte de armas a professores estava autorizado em 19 estados, desde que tivessem cumprido mais de 700 horas de treino. Desde 1999, que os conservadores de braço dado com o lobby das armas apoiam esta visão dantesca de fazer dos professores, polícias armados. Nesse ano de 1999, a escola secundária de Columbine passou para as parangonas noticiosas quando dois atiradores mataram 12 alunos e um professor. Em 2013, o Kansas autoriza os professores a andarem armados, na sequência do assassinato de 20 crianças e seis professores numa escola primária do Connecticut. Em 2018, numa escola secundária da Florida foram mortos 14 alunos e três professores. As lágrimas de crocodilo de Joe Biden, quando deposita flores junto às escolas transformadas em locais de massacre, contrastam com as lágrimas das famílias que vêem os seus entes queridos serem mortos com esta banalidade tão revoltante.

Para a Associação de Educadores do Ohio e a Federação de Professores do Ohio, a nova lei “põe os educadores na posição impossível de terem de tomar decisões de vida ou de morte numa fracção de segundo, e sem treino suficiente.” A notícia refere ainda em dado momento que “a possibilidade de os professores virem a ser acusados de negligência se não enfrentarem um atirador é outro dos problemas levantados pelos opositores da nova lei.”.

Folheio o jornal “Público” de hoje e encontro um pequeno artigo que se relaciona com o que escolhi para a Notícia do Dia. O título é “Nova Iorque restringe venda de armas”. Aqui, a legislação que foi aprovada na passada quinta-feira na assembleia do estado de Nova Iorque aumenta a idade de 18 para 21 anos para quem queira comprar ou possuir uma arma semiautomática. No passado mês de Maio, ambos os massacres que ocorreram – 19 alunos e dois professores na escola primária do Texas e 10 pessoas num supermercado na cidade de Buffalo – foram perpetrados por dois jovens de 18 anos.

Vivemos numa época paradoxalmente complexa e estranha, em que o excesso de informação e contra informação cria uma anestesia que põe em causa o estado de direito e a democracia, mas não posso deixar de transcrever este parágrafo da notícia do hoje do “Público”, pela crueza dos números: “No último fim-de-semana registaram-se nos Estados Unidos dez tiroteios graves em que morreram pelo menos 12 pessoas e 60 ficaram feridas. Só este ano já ocorreram 246 tiroteios graves, mais do que um por dia.”

7 de Junho de 2022
Almerinda Bento