Somos portadores do projeto de uma escola pública, democrática e organizada, numa sociedade democrática
José Feliciano Costa
Presidente da Direção Central do SPGL
O novo quadro político, criado pela demissão de António Costa pelas razões já conhecidas, levaram Marcelo Rebelo de Sousa a tomar a decisão de manter a Assembleia da República. Esta mantém a atual configuração, saída do último ato eleitoral, até à aprovação do Orçamento do Estado para 2024, ficando o governo em gestão até à tomada de posse do novo executivo saído do ato eleitoral já marcado para 10 de março.
A análise da proposta do Orçamento do Estado apresentada pelo governo já foi feita e percebe-se que é um documento muito centrado no lado da receita. É dado grande destaque e ruído à diminuição do IRS nos primeiros 5 escalões e, do lado da despesa, destaca-se o enfoque dado à importância da sua contenção com a justificação do “sagrado” objetivo central das contas certas, ou seja, a redução da dívida pública.
Claro que, no discurso oficial da sua apresentação, nada é referido sobre a crua realidade que é a de uma proposta que fica muito aquém das reais necessidades de quem trabalha e que tem de fazer face a uma contínua subida da inflação, que faz disparar os preços de bens essenciais e os encargos com a habitação, tanto pela subida das taxas de juro dos empréstimos como pelos arrendamentos. Claro que os salários e pensões não acompanham estas subidas, o que deixa milhares de famílias em condições muito difíceis.
Na Educação, a proposta de OE consubstancia mais uma oportunidade perdida, uma vez que o valor do PIB para este setor, nomeadamente para o ensino público não superior, volta a cair, situando-se nos 2,9%. Lembre-se que 6% são a referência sempre mencionada pelas várias organizações internacionais que analisam o setor da Educação em todo o mundo.
Aliás, em Portugal, esta é uma realidade que se aplica não só à Educação, mas a todo o investimento público de uma forma geral. Senão, vejamos:
Em 2016, o primeiro-ministro António Costa anunciava solenemente que, em relação ao investimento público, estava do lado dos que faziam acontecer. Depois, em 2017, prometia um aumento de 20% no orçamento para escolas, hospitais, segurança interna e vias de comunicação. Investimento novamente anunciado em 2018, com a promessa de um “crescimento ainda mais significativo”. Os anos de 2019, 2020 e 2021, foram anos de Pandemia, com todos os seus efeitos, mas, já no final, António Costa reafirmava a importância “E agora cada vez mais” da aposta no investimento público.
A realidade é, no entanto, bem diferente, porque não se vive de ficções, mas de números concretos e esses dizem que Portugal registou, nestes últimos anos, níveis de investimento público dos mais baixos, e que na última década, depois da Irlanda, foi mesmo o país da UE que menos investiu.
De 2017 a 2023, ficaram até por aplicar 5802 mil milhões de euros, face ao orçamentado, portanto, a falta de investimento público não é uma fatalidade é sempre uma opção política assumida.
Neste novo quadro e com eleições que se aproximam, num momento em que a inversão desta tendência de desinvestimento é fundamental e num tempo em que a valorização da carreira e das condições de trabalho são tão importantes, o movimento sindical docente tem um papel determinante, até porque defender a profissão é defender uma Escola Pública de Qualidade e somos por isso portadores desse desígnio e dessa mensagem.
Uma escola à qual tenham acesso todas as crianças e jovens implica uma Escola qualificada e valorizada, assim como os profissionais que nela trabalham.
Esta é a escola que defendemos e não uma escola pública empobrecida, desqualificada, para os mais desfavorecidos. Não queremos uma escola que coexista numa “rede de ensino” com outras privadas, destinadas às elites económicas e financiadas por dinheiros públicos.
Estes são os projetos do Estado forte, mas mínimo, de quem promove os falaciosos rankings, o voucher (cheque ensino), a livre escolha de escola e as escolas “charter”.
Somos portadores de outro projeto, o de uma escola pública, democrática e organizada, numa sociedade democrática. Portadores de um projeto de melhoria da qualidade da vida das pessoas, da inclusão social, da defesa dos direitos laborais, cívicos, sociais e políticos.
São pistas que ficam para uma reflexão que se exige num momento em que a luta tem de continuar.
Texto original publicado no Escola/Informação n.º 306 | nov./dez. 2023