Artigo:Sobre a “Proposta para relevância do tempo na recomposição da carreira docente”, apresentada pelo ME

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Sobre a “Proposta para relevância do tempo na recomposição da carreira docente”, apresentada pelo ME

Como é do conhecimento de todos, o Ministério da Educação desencadeou uma guerra aberta com o pessoal docente ao decidir não contar integralmente o tempo de serviço pelo mesmo prestado durante o período de congelamento das carreiras. É nosso entendimento que tal posição contraria claramente a Lei e a Constituição da República.
Na verdade, o artigo 18º da Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro (que aprova a Lei do Orçamento para 2018), sob a epígrafe “Valorizações Remuneratórias”, e aplicável ao pessoal das carreiras gerais da A.P., determina, no seu ponto 6, que “Nas alterações obrigatórias do posicionamento remuneratório a efetuar após a entrada em vigor da presente lei, quando o trabalhador tenha acumulado até 31 de dezembro de 2017 mais do que os pontos legalmente exigidos para aquele efeito, os pontos em excesso relevam para efeitos de futura alteração do seu posicionamento remuneratório”.
Por sua vez, o artigo 19º da mesma Lei do Orçamento, cujos destinatários são os trabalhadores das carreiras, cargos ou categorias integradas em cargos especiais (onde se inclui o pessoal docente), determina que “… a expressão remuneratória do tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias integradas em cargos especiais, em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependem do decurso de determinado período de prestação de serviço, legalmente estabelecido para o efeito, é considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo-se em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis” (bold nosso).
Ora, do primeiro dos referidos preceitos legais resulta que, para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório dos seus destinatários (a ocorrer após 01/01/2018), são contabilizados todos os pontos que os mesmos tenham acumulado durante o período do congelamento. Por esse motivo, parece-nos ser de concluir que aos mesmos também é contabilizado integralmente todo o tempo de serviço prestado no período em que ocorreu o congelamento.
Contudo, também entendemos que, de acordo com as regras básicas da interpretação normativa (artº 9º do Código Civil), é de concluir que do citado artigo 19º da Lei do Orçamento, (aplicável, como se referiu, ao pessoal docente) resulta que, ao utilizar a expressão “o tempo de serviço”, o legislador pretendeu dizer que aquele é integralmente contado ao pessoal docente e que apenas a expressão remuneratória desse mesmo tempo deve ser objeto de processo negocial, com vista definir o prazo e o modo da respetiva concretização.
Para além de ser a que no nosso entendimento resulta do texto legal, esta interpretação também é a que mais se coaduna, não só com a apreciação parlamentar e debate público que a antecederam, como também a que melhor assegura o cumprimento do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição (princípio estruturante do sistema constitucional inerente ao conceito de Estado de Direito Democrático), do qual decorre a igualdade dos cidadãos perante a lei proibindo o arbítrio e as discriminações.
Na verdade, a proposta do ME não só não considera todo o tempo de serviço que foi objeto de congelamento (não é feita qualquer referência ao período compreendido entre 28/08/2005 e 31/12/2007), como também assenta num módulo padrão de progressão complementar distinto, no conteúdo e na forma, daquele que é aplicável ao pessoal docente. Para o efeito, a dita Proposta utiliza uma fórmula totalmente desajustada, da qual resulta uma equiparação artificial de um alegado módulo padrão de progressão de 10 anos a um módulo de 4 anos (o dos docentes), convertendo em apenas 2 anos, 9 meses e 18 dias o período de congelamento ocorrido entre 01/01/2011 e 31/12/2017.
Em suma, para além de não considerar o período compreendido entre 29/08/2005 e 31/12/2007 (o que não sucede com os restantes trabalhadores da Administração Pública), a fórmula em questão não tem em conta as especificidades da carreira do pessoal docente, contrariando a própria lógica da Lei do Orçamento. Outra das manifestações da desigualdade de tratamento entre os trabalhadores das carreiras gerais da Administração Pública e o pessoal docente é que, enquanto no primeiro caso a recuperação do tempo de serviço “congelado” teve efeitos imediatos a 01/01/2018, no segundo caso os efeitos dessa recuperação só ocorrerão entre 2019 e 2023 e de forma faseada.
Perante este posicionamento ilegal do Ministério da Educação entendeu o SPGL e cada um dos restantes Sindicatos que integram a FENPROF reagir judicialmente através da interposição de ações em representação coletiva dos respetivos associados.