Artigo:JORNADA PEDAGÓGICA Nº5 (2016)

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O contacto com a natureza e a capacidade de confronto com o risco é uma competência fundamental na estruturação de uma cultura lúdica infantil. Uma criança que não brinque de forma regular e sem constrangimentos em espaço e tempo não é uma criança saudável. Os estudos demonstram uma relação muito relevante entre brincar e ser feliz na infância e o sucesso na vida adulta. O jogo é uma linguagem universal que todas as crianças compreendem independentemente do espaço geográfico ou cultural. Temos afirmado que brincar em casa, na rua ou na comunidade é uma necessidade fundamental para adquirir instrumentos adaptativos necessários na adolescência e na vida adulta. Brincar é para a criança uma atividade de exploração do seu envolvimento físico e social, procurando sempre que possível descobrir e ter curiosidade de colocar o seu corpo em confronto com situações adversas e de risco controlado.
Os nossos estudos de investigação em meio escolar demonstram que crianças ativas no recreio são aquelas que aprendem melhor dentro da sala de aula. Isto significa que as crianças que apresentam um jogo de atividade física moderada e mais socialização no recreio têm mais capacidade de atenção e concentração nas aprendizagens escolares consideradas úteis. Muitos estudos têm vindo a demonstrar uma relação muito forte entre atividade física e lúdica e rendimento escolar. Temos afirmado correntemente que os espaços de recreio escolar são o último reduto que ainda resta para as crianças terem tempo para brincarem livremente na sua vida quotidiana. Necessitamos de valorizar o tempo de intervalo escolar (recess) no projeto educativo das escolas públicas e privadas. Os recreios devem ser estruturados de forma a serem aliciantes para as crianças quanto às qualidades de estimulação dos espaços físicos (superfícies, espaços naturais, equipamentos lúdicos, brinquedos, etc.) quer quanto ao tempo de duração do intervalo escolar. Não existe um critério científico relativamente seguro quanto à existência de intervalos escolares concentrados ou distribuídos em função da idade, do género ou da classe social. Na maior parte dos casos, os recreios escolares são organizados em função de interesses disciplinares ou de horários de professores e não das necessidades de jogo de atividade física e socialização da criança. Os recreios devem ser desafiantes, permitindo brincadeiras livres sem supervisão exagerada dos adultos (proibição da margem de risco e de atividades de exploração dos espaços existentes), permitindo que as crianças possam realizar atividades próprias da idade: jogos de corrida, luta e perseguição, ações de trepar, de equilíbrio e vertigem, jogos com bola, jogos tradicionais, jogos simbólicos e de dramatização e relação com elementos naturais (água, areia, terra, vegetação, etc.). Estas atividades no recreio escolar deveriam enquadrar-se de forma coerente com o projeto educativo da escola. Na maior parte dos casos, o tempo de recreio nas escolas é “terra de ninguém” e pouco valorizado pelos adultos como atividades improdutivas. É caso para dizer que as crianças aprendem muito no recreio e deveriam brincar mais dentro da sala de aula. As crianças devem aprender a gostar mais do seu corpo em movimento e o seu corpo gostar delas para terem mais saúde física, mental e social. Uma grande parte das memórias dos adultos, que foram vividas na infância, foram passadas em aventuras e amizades acontecidas nos recreios escolares.
Várias experiências em escolas de todo o mundo estão tentando mudar o paradigma clássico de pedagogia para modelos mais dinâmicos de ensino-aprendizagem dentro da sala de aula. O objetivo centra-se em procurar modelos de organização do ensino que permita que as crianças sejam mais ativas dentro da sala de aula. Muitas evidências científicas demonstram que a alternância regular entre estar sentado e ativo melhora a capacidade de aprendizagem e rendimento escolar (Active Living Research). Estes estudos têm evidenciado que crianças fisicamente ativas têm cérebros mais ativos e aprendem com mais sucesso as linguagens abstratas. Esta relação entre atividade física e desempenho académico implica uma revisão e mudança significativa no modelo organizativo do quotidiano da vida das crianças na sala de aula. Está em causa uma valorização do corpo em movimento dentro da sala de aula, através da introdução de pausas para atividades de escuta (meditação e respiração) e exercícios de mobilização do corpo (jogo de atividade física). Por outro lado, as crianças não necessitam de estar sempre sentadas (inativas) durante o processo de ensino. Existem alternativas de mudar o cenário organizativo da sala de aula (mesas e cadeiras) de modo a que os saberes possam ser trabalhados e assimilados com mais prazer, mais motivação intrínseca e mais participação em grupo. Aprender com o corpo em ação na sala de aula permitirá encontrar várias soluções pedagógicas que serão muito mais gratificantes para as culturas de infância e permitirão mais sucesso académico. Será necessário uma redefinição dos modelos de uma pedagogia ativa e centrada nas necessidades das crianças e uma nova postura dos professores quanto à definição do projeto educativo da sua escola.
Este grande fenómeno do sedentarismo e de uma sociedade com obesidade e excesso de peso está associado a índices inadequados de atividade física e aliado a dietas incorretas, ainda que se reconheça o papel atribuído a fatores metabólicos e genéticos. Os dados referentes a este fenómeno em crianças, não está ainda totalmente bem determinado, devido à existência de múltiplos fatores influentes (biológicos e ambientais), mas supõe-se que esteja a assumir níveis preocupantes nas sociedades economicamente mais desenvolvidas. É um facto inquestionável que as oportunidades de jogo e atividade física têm vindo a degradar-se de forma considerável nas últimas décadas, aumentando substancialmente o sedentarismo na infância. Uma das causas está relacionada com a diminuição do brincar na rua e ao ar livre e o aparecimento da “cultura do medo” que invadiu a cabeça dos pais e educadores de forma geral. Estes adultos restringem as experiências de mobilidade e risco das crianças com receio de existirem acidentes ou perigos eminentes. Estas construções mentais dos adultos são na maior parte das vezes infundadas. As crianças têm uma capacidade de autocontrolo muito acima das nossas expetativas. Do nosso ponto de vista, quanto maior for o risco menor será a possibilidade de acidente. Isto quer dizer que crianças com uma cultura motora mais experiente terão menos condições de terem acidentes. Uma segurança exagerada e obsessiva dos adultos em relação às experiências de risco físico das crianças é um passo gigantesco para a possibilidade de existência de acidentes. Outro problema que está associado ao fenómeno do sedentarismo e analfabetismo motor em crianças está relacionado ao que temos designado por ”terrorismo do não”. Esta expressão refere-se às proibições verbalizadas pelos adultos de forma sistemática em relação às crianças quando estão em situações de movimento (não subas, olha que cais, tem cuidado, não vás, etc.). Limitar as crianças na exploração do seu corpo em movimento é uma grande contribuição para o aumento desse sedentarismo. Este comportamento de insegurança é transmitido com muita facilidade para as crianças. Famílias inseguras geram crianças inseguras. O corpo em movimento das crianças, em situações de exploração do espaço natural ou construído, não deve ser limitado quanto aos níveis de segurança que elas têm quanto à margem de risco que assumem. Crianças com margem de risco elevadas apresentam mais segurança quando estão em situações de atividade física mais complexas. Além destes aspetos anteriormente referidos, devemos acrescentar também que é urgente a existência de projetos inovadores de espaços e equipamentos que valorizem as relações entre a promoção da cultura de jogo e atividade física em conjunto com uma conceção de uso sustentável do espaço urbano, em mobilidade e qualidade de vida quotidiana. A conceção arquitetónica de escolas, recreios escolares, espaços de jogo, espaços verdes e espaços desportivos, obrigam os responsáveis a renovarem, em termos de qualidade, as estratégias de conceção, construção e manutenção destes espaços. É urgente pensar na saúde física e mental de crianças e jovens independentemente da idade, do género, da raça ou da classe social. Esse investimento está ainda por aperfeiçoar segundo critérios realistas do ponto de vista financeiro, político, pedagógico, terapêutico e social. Saúde e mobilidade corporal é um tema fundamental na estruturação de um modelo de sociedade com qualidade de vida. O governo e os municípios necessitam de articular políticas que visem este objetivo, no sentido de combater o aumento preocupante de novas doenças de civilização. Má qualidade alimentar + sedentarismo=obesidade. Esta epidemia crescente deve ser combatida com uma política integrada de saberes e formas de ação, partilhadas por especialistas provenientes de várias áreas profissionais. O problema dos estilos sedentários de vida das crianças não pode ser resolvido apenas por modestas transformações ou adaptações das características físicas dos espaços urbanos, escolares e residenciais ou melhoramento da oferta de programas organizados de jogo e exercício físico. Estas mudanças implicam a existência de uma nova filosofia política e atitude cultural na organização e planeamento sustentável do uso do espaço e tempo entre a vida familiar, laboral, escolar e comunitária.