Artigo:Escola Informação nº279 . julho 2017

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Entrevista com José Alberto Marques
Balanço de um ano de trabalho


José Alberto Marques . Diretor Escola Informação


É presidente do SPGL há dois anos: esperava mais ou menos dificuldades neste seu novo cargo?

Nem mais nem menos. Nessa matéria, não posso dizer que tenha havido surpresas, uma vez que há muitos anos vinha tendo responsabilidades sindicais e desempenhado funções que me familiarizaram com as dificuldades deste trabalho. Porém, não quero com isto dizer que as dificuldades não existam e, sobretudo, gostaria de salientar que a conciliação entre o trabalho na Escola e o desempenho de funções sindicais é de uma grande complexidade, o que, naturalmente, ocupa grande parte do meu tempo, prejudicando fundamentalmente a vida pessoal e familiar.

O que o surpreendeu mais positivamente? E mais negativamente?

Pela positiva, destacaria o período inicial do atual Governo, em que assistimos à tomada de algumas medidas que deram resposta a um determinado conjunto de reivindicações dos docentes.
Criou-se um clima de esperança e de expectativas elevadas relativamente à resolução dos problemas que mais afligem a classe e que se consubstanciam nos 5 eixos definidos FENPROF: regime especial de aposentação (reconhecendo o elevado desgaste da profissão), vinculação dos professores contratados (no respeito pela Diretiva Comunitária de 1999), regulação dos horários de trabalho, descongelamento das carreiras e alteração do regime de gestão das escolas.
Pela negativa, assinalo o defraudar dessas expectativas. Apesar das muitas reuniões de negociação, apesar de vermos reconhecida a razão das nossas propostas, não houve abertura sequer para planificar um calendário negocial em que se procurassem soluções para os problemas enunciados. Parece termos entrado num período de estagnação ou até de recuo, como no caso do descongelamento de carreiras, de que os professores parecem estar excluídos, embora também sejam funcionários públicos.

É verdade que o SPGL está a perder muitos sócios? E que está “envelhecido”?

É verdade que a quebra do número de docentes nos últimos anos ultrapassa os 20% entre docentes do quadro e contratados. Efetivamente, as medidas de redução de custos na Educação têm passado essencialmente pela redução do número de professores. Durante os anos de intervenção da Troika, de governação da coligação PSD/CDS, entre os anos letivos 2010/2011 e 2014/2015, registou-se uma redução na ordem de 21,1% no número total de professores, em especial devido à quebra em mais de metade do número de contratados (56,6%). O número de professores contratados passou de 33.413 para 14.496 e houve também um decréscimo acentuado no número de professores do quadro que de 107.944 passou para 96.997. Após a saída da Troika, e do então ministro da Educação e Ciência Nuno Crato, no final de 2015, o número de professores subiu pela primeira vez. No entanto, este acréscimo é ainda muito diminuto, falamos de uma subida na ordem de 2000 professores contratados. Obviamente, se o número de professores diminui, o número de associados de qualquer sindicato acompanha essa tendência. No entanto, também é verdade, e ao contrário do que geralmente se afirma, que o SPGL tem aumentado percentualmente o seu número de associados. Assim, em nome da clareza e da transparência pela qual sempre nos pautámos, há que reconhecer que o número de associados é inferior, porém, e comparando com o atual número de docentes no sistema, tem vindo a registar-se um aumento percentual no número de docentes que se tornam associados do SPGL. Há mesmo alguns setores em que esse número tem aumentado, o que só pode significar que se tem verificado também um aumento da confiança dos professores no SPGL e na sua Direção.
Quanto à segunda parte da questão, apenas tenho a responder que se o corpo docente está cada vez mais “envelhecido” os sindicatos que os representam não podem deixar de espelhar essa realidade. Os últimos dados oficiais conhecidos demonstram que existem menos de 500 docentes com idade inferior aos 30 anos e o índice de envelhecimento (quociente entre número de docentes com 50 anos ou mais e o número de docentes abaixo deste valor) é cada vez mais elevado (em alguns grupos a relação é de 1 docente com menos de 50 anos para 385 docentes com idade superior ou igual a esta). Por outro lado, se o regime de aposentação empurra os docentes para os 66 anos e 3 meses, se não há uma renovação geracional na profissão docente, necessariamente que nos sindicatos, e o SPGL neste caso não pode ser exceção, os seus associados assim como os seus dirigentes refletem a faixa etária dos docentes que se encontram no sistema. No entanto, não posso deixar de referir que a Direção tem continuamente efetuado um enorme esforço de renovação geracional dos seus dirigentes, que inclusivamente se refletiu na última revisão estatutária que levámos a cabo, que limita o exercício consecutivo de alguns cargos a dois mandatos. É ainda importante salientar que é cada vez maior o número de professores contratados que se têm vindo a sindicalizar no nosso Sindicato.

O SPGL tem fama de ser um sindicato muito democrático e plural. Justifica-se esta “fama”?

Tenho alguma dificuldade em perceber que um sindicato tenha “fama” de alguma coisa. Efetivamente o SPGL é um sindicato democrático. A própria conceção do que é um sindicato não admite outra possibilidade: um sindicato tem que ser necessariamente democrático, pois a democracia é a sua raiz. O conceito de pluralidade tem diversas aceções, pressuponho que me esteja a questionar relativamente à pluralidade ou diversidade no plano das ideologias políticas. Se é neste sentido, posso afirmar que é um sindicato em que domina a pluralidade ideológica, mas que esta pluralidade concorre para a união em torno de um objetivo comum: a luta pelos direitos dos professores.

Também é membro do secretariado nacional da FENPROF. É fácil concertar as posições dos diferentes sindicatos?

Não é prerrogativa do Presidente do SPGL concertar as diferentes posições dos sindicatos membros da FENPROF, essa é uma função do seu Secretário-geral. No entanto, posso afirmar que, e ainda que nunca se tenham verificado posições muito díspares, tem sido sempre possível encontrar caminhos de consenso. No fundo, e não poderia ser de outra forma, o objetivo de todos e de cada um dos sindicatos membros da FENPROF é defender os direitos dos professores.

Que vitórias aponta neste ano letivo? E que fracassos?

Podemos considerar como vitórias sindicais, fruto da luta e da reivindicação dos professores de há vários anos, a harmonização do calendário do pré-escolar e a integração dos intervalos do 1º ciclo na componente letiva dos docentes. Conseguimos que as formas discriminatórias aplicadas a alguns ciclos de ensino-aprendizagem fossem completamente revertidas pelo atual ME e que houvesse uma resposta positiva às reivindicações mais do que justas destes docentes. Acresce a vinculação, ainda que muito insuficiente, de muitos professores contratados, a colocação dos docentes numa única lista nacional cujo processo decorreu até ao final do ano letivo, o alargamento do período de transição dos docentes do ensino superior politécnico, o contrato coletivo assinado com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e o acordo coletivo de trabalho assinado com a União das Misericórdias Portuguesas, a continuação da diminuição dos contratos de associação com colégios privados onde tal não se justifica e a possibilidade de, já no próximo ano letivo, poder ser possível alguma estabilidade para os docentes do ensino artístico especializado de escolas públicas.
Quanto a fracassos da parte do movimento sindical, não os reconheço. O SPGL reconhece sim, como fracasso, a incapacidade deste ME em matéria de negociação e a consequente falta de clareza na resposta às exigências mais do que legítimas dos professores e que volto novamente a repetir: regime especial de aposentação (reconhecendo o elevado desgaste da profissão), vinculação dos professores contratados (no respeito pela Diretiva Comunitária de 1999), regulação dos horários de trabalho, descongelamento das carreiras e alteração do regime de gestão das escolas. Convém aqui também alertar para o grave problema da municipalização encapotada com que este Governo avançou e que vai ter graves implicações em todos os setores que abrange e, mais concretamente, no setor da Educação. No entanto, como comecei por afirmar, não reconheço as más políticas no setor da educação como fracassos sindicais, elas são fruto da falta de visão dos sucessivos governos e ministérios da educação e tornar-se-ão a médio prazo fracassos com gravíssimos reflexos sociais. Parafraseando Derek Bok, “Se você acha que educação é cara, experimente a ignorância”. Aliás, atrevo-me a declarar que também este Governo e este ME estão a fracassar de forma grosseira ao não perceber que o dinheiro aplicado na Educação não é despesa, mas investimento.

A mobilização dos professores para as ações de protesto não foi famosa. Que causas?

As ações de mobilização existiram, com intervenção persistente nas escolas, como é apanágio do nosso sindicato.
Nem sempre lhes correspondeu a proporcional adesão dos docentes por razões que penso estarem relacionadas com um estado de espírito de características contraditórias que se instalou na classe: por um lado, cansaço extremo e descrença de que as formas de luta resultem, consequência de 4 anos de intolerância do mandato Crato; por outro, alguns resíduos de confiança no novo Governo que, querem acreditar, não deixará de dar resposta positiva a tão justas reivindicações, sem que para isso seja necessário sair à rua.
Mesmo assim, registou-se uma boa adesão dos docentes no Encontro Nacional de representantes das escolas, no Cordão Humano, no Dia Nacional de Luta e na Greve Nacional dos Professores, o que mostra que a ténue confiança que atrás referi começa a dar lugar ao descontentamento.

Em 2018 vai ter mais ou menos “guerra” do que 2017?

Um Sindicato é uma associação de trabalhadores e tem como função defender os seus interesses e direitos profissionais. Em 2018, tal como sempre, continuaremos o caminho da defesa e da concretização dos interesses e direitos profissionais dos professores e educadores. As exigências mais prementes a que este Governo tem de dar resposta, e que têm reflexos quer nos direitos dos professores e educadores quer nos direitos dos alunos pelas implicações que têm na qualidade da educação, constam do Dossier entregue no início deste ano letivo pela FENPROF ao Ministro da Educação, que contempla as principais reivindicações dos docentes: o descongelamento das carreiras, a reorganização dos horários de trabalho, a criação de um regime de aposentação especial para os professores e o combate à enorme precariedade que atinge o setor. Para além destes aspetos de ordem socioprofissional, há ainda a necessidade da revisão do atual modelo de gestão das escolas e a garantia de que o processo de descentralização em curso na Educação merecerá a devida negociação e que dele não resultará a transferência para os municípios de competências de ordem curricular e pedagógica, que são da responsabilidade das escolas, ou outras, designadamente as relativas aos recursos humanos, sejam docentes ou outros.
O SPGL estará sempre na linha da frente desta luta.

Que “palavras de ordem” escolheria para 2018 (enquadrando a luta dos docentes)?

Usando as palavras recentes do primeiro-ministro, António Costa, a "educação não pode ser só paixão, tem de ser uma paixão consumada". Ora, para que a “paixão” se concretize é necessário dotar o próximo Orçamento de Estado da Educação e da Ciência com verbas que permitam “valorizar a profissão docente” e “reafirmar a escola pública”. Neste sentido, a FENPROF e os seus sindicatos já definiram o objetivo prioritário para o próximo ano letivo: “Valorizar a Educação e os seus Profissionais  2017/18: Tempo de resolver problemas”

O “Perfil do aluno…” é consensual, mas a sua implementação suscita reações diversas… Qual a sua opinião?

Não creio que sejam tão diversas assim. De facto, há unanimidade no reconhecimento do valor do documento, como há unanimidade na opinião de que a sua implementação plena exige recursos humanos e materiais de que não se ouve falar. Ou melhor, cuja inexistência se torna patente quando o ME, indiretamente, a propósito das mais variadas questões, vai afirmando repetidamente que não pode haver aumento de despesa.
Assim, instala-se alguma desconfiança sobre a bondade da implementação deste novo perfil e os professores interrogam-se sobre se não estaremos perante mais um caso em que se vai exigir um esforço adicional por parte dos docentes, que vá desregular ainda mais os seus horários de trabalho.

Como classificaria este Governo? E este Ministério da Educação? (Como bom professor que é, deve justificar a sua classificação…)

Daria um 8 (escala de 1 a 20 valores) para lhe dar a oportunidade de obter uma nota “positiva” no final da legislatura (com um 7 estaria automaticamente reprovado). E isto porque a ação do Governo, positiva relativamente à reposição dos rendimentos para toda a Função Pública, se tem pautado por uma total ausência de estratégia em matéria de educação e ciência. Os dois orçamentos que apresentou, mesmo colocando de lado as cativações, mostram uma clara secundarização da educação e ciência. A este nível específico pode dizer-se que o atual Governo manteve o investimento nestas áreas muito abaixo do que acontece na generalidade dos países europeus, ou mesmo da OCDE. A educação e a ciência não conseguiram sair do fosso para onde foram empurradas pelo governo de Passos e Portas. Quanto ao Ministério da Educação, tem revelado uma total incapacidade de compromisso em termos de valorização da profissão e da Escola Pública. Limitou-se a corrigir alguns dos “entorses” mais soezes do consulado de Nuno Crato, como a extinção da PACC, abriu timidamente o ralo da porta no que concerne à vinculação de docentes mas pouco mais. O Orçamento para 2018 será um excelente indicador para aquilatar de uma eventual inversão de rumo, por parte do Governo e do Ministério da Educação, que possa permitir uma melhor classificação de ambos à entrada para o último ano de mandato. Cá estaremos para influenciar essa mudança. Através da proposta, da luta e da negociação.


Entrevista conduzida por
António Avelãs