Artigo:Escola Informação nº277 . fevereiro 2017

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Descentralização em regime de empreitada

Uma porta aberta contra a universalidade dos serviços públicos


José Alberto Marques . Diretor Escola Informação


As eleições autárquicas estão à porta. O bom senso aconselharia alguma ponderação relativamente a alterações de fundo no campo das competências municipais já que, como todos sabemos, a pressa é má conselheira, como foi aliás realçado na tomada de posição da FENPROF sobre o assunto. No entanto, nenhum dos partidos com assento parlamentar parece disposto a perder o comboio da descentralização que entrou em regime de TGV com a aprovação, pelo Conselho de Ministros de 16 de fevereiro passado, da proposta de Lei que estabelece o quadro de transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais. As áreas a transferir incluem a educação, a saúde, a ação social, os transportes, o policiamento, e muitas outras. O chamado “envelope financeiro”, que acompanhará esta descentralização, conterá um aumento de 5% nas verbas a transferir para as autarquias. O Sr. Presidente da República já “abençoou” a iniciativa do governo.

A proposta de Lei prevê a sua aplicação no início de 2018 e admite “o faseamento da concretização até ao fim do ano de 2021”. A Regulamentação da Lei será feita “através de decretos-lei setoriais que preveem os recursos humanos, patrimoniais e financeiros necessários” e a transferência de competências em causa será feita de forma “permanente e universal”, o que leva o Governo a declarar que ela não porá em causa “a natureza pública das políticas e deve garantir a universalidade do serviço público e a igualdade de oportunidades no acesso ao mesmo”. O principal argumento para a bondade da iniciativa centra-se na proximidade das decisões e na maior eficiência e eficácia dos serviços prestados aos cidadãos.

Chegados aqui, o que nos separa do famigerado processo de municipalização ensaiado pelo Governo PSD/CDS na anterior legislatura, processo esse que contou com a tenaz oposição do SPGL/FENPROF? De essencial muito pouco. Na altura, exigimos um debate alargado que o governo de direita recusou. Agora, a possibilidade desse debate alargado foi completamente dinamitada pelos partidos e pelo Presidente da República que querem “fechar” o assunto até ao Verão. Na altura, demonstrámos que se o objetivo era a questão da proximidade nada melhor do que, no caso da Educação, reforçar a autonomia das escolas e permitir-lhes mais democracia. Agora, defendemos exatamente o mesmo, como a FENPROF já tornou público: as escolas são a estrutura mais próxima dos alunos e das famílias, exatamente porque aqueles e estas fazem parte da comunidade educativa.
Por isso, o debate alargado, afastado do raio de ação imediato das eleições autárquicas, que envolva uma posterior negociação com os representantes dos professores para as questões educativas, é fundamental e uma exigência de que não abdicaremos.

As declarações governamentais sobre a manutenção da “universalidade dos serviços públicos” ou sobre a "salvaguarda absoluta" do domínio pedagógico da escola e do regime de carreiras dos professores, que se manterá como uma carreira nacional, valem o que valem nesta fase de lançamento do processo. Todos sabemos como as coisas acabam quando não há debate e negociação com os principais interessados. Por outro lado, também sabemos que a maioria dos municípios portugueses não tem condições para absorver a complexidade das novas competências. A tentação de “externalização” dos serviços, leia-se privatização, ficará ao dobrar da esquina. E com ela será pulverizada a igualdade de oportunidades! Não podemos permitir que isso aconteça!