Dumping laboral no ensino – um pacto a evitar
Recentemente, fez-se um inquérito aos professores ingleses, do qual saiu que:
- 53% dos professores querem deixar a profissão num prazo de dois anos;
- 61% desejam sair devido ao volume de trabalho;
- 51% desejam sair para encontrar uma relação trabalho/equilíbrio de vida mais favorável.
Num outro estudo apurou-se que os professores ingleses estão a trabalhar cerca de 60 horas por semana, o que, talvez, sabe-se lá, poderá justificar que nos últimos anos o ânimo moral da classe tenha decrescido em cerca de 67%.
Este último aspeto, particularmente grave e relevante do ponto de vista sindical, observamo-lo nós também no quotidiano das nossas escolas, com os professores a acumularem volumes de tarefas absolutamente incompatíveis com uma jornada de trabalho de 40h semanais.
Trata-se de dar cumprimento ao grande desígnio neo-liberal de transferência de riqueza da base para o topo da pirâmide económica, a qual se tem vindo a acelerar nas últimas décadas, traduzindo-se principalmente na diminuição de salários, no aumento do tempo de trabalho, na precarização dos vínculos, para além de outros aspectos relacionados com a perda de direitos sociais.
É um processo com múltiplas frentes, fruto de uma engenharia social bem medida pelos representantes políticos, a qual, aliás, surpreendentemente ou não, consoante o ponto de vista, tem vindo a ser premiada com grandes e pequenas vitórias eleitorais, nomeadamente as de David Cameron e a de Passos-Portas, respetivamente.
E daqui retiram-se dois problemas cruciais. Por que razão:
- tantos professores aceitam passivamente este estado de coisas? Descrença nos sindicatos? Endoutrinamento de direita mais ou menos involuntário?
- tantos cidadãos profundamente afectados por políticas de empobrecimento, em favor da elite económica e financeira que nos espolia, votam exactamente naqueles que preconizam a continuação das mesmas políticas?
A Inglaterra é uma velha democracia, sendo que a aparente resignação do seu povo perante tamanho retrocesso laboral e social não pode deixar de nos preocupar a todos.
Porque não vem só, mas muito mal acompanhada com múltiplos exemplos do resto da europa, com o ensino a ser visto progressivamente mais como um negócio chorudo do que um serviço público, sem que a indignação geral se levante, mesmo em casos de polícia, como o do grupo privado GPS em Portugal.
E os professores? Simples fator de produção a embaratecer.
João Correia
The Observer, 4/10/15:http://www.theguardian.com/education/2015/oct/04/half-of-teachers-consider-leaving-profession-shock-poll