Artigo:De Lino António a Lino e António ou a importância das memórias

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De Lino António a Lino e António ou a importância das memórias

António Avelãs
Dirigente Sindical, Aposentados

Era bastante estranho. A sessão de “O meu livro quer outro livro” destinava-se a uma apresentação de Sol de Inverno, de Elisa Saraiva (aliás, Sílvia Baptista), editado pela Flamingo, 2023, mas a “folha de sala” distribuída para a sessão era uma listagem de obras, exposições, prémios e atividade docente do pintor “modernista” Lino António (1898-1974). Cedo se percebeu que a autora – e só a autora – falaria, aliás muito brevemente, da sua obra; a maior parte da sessão seria ocupada com referências à vida e obra de Lino António, a cargo do professor e designer Vítor Silva.

A ligação entre o pintor e o livro de Elsa Saraiva foi entretanto clarificada: Sol de Inverno desenvolver-se-ia em torno de um facto real: o desaparecimento do tríptico de Lino António – “As sacerdotisas de Baco” – que contínua em parte incerta…

Sol de Inverno acompanha a vida, desde a pura ternura entre avô e neta, à cumplicidade entre filha e mãe e pai, à dureza da velhice. O inevitável ciclo vida-morte-vida, a que o repetido quotidiano do nascer e pôr do Sol serve de metáfora.

A visão idílica de um avô “pintor” terá de ajustar-se à descoberta “post mortem” de factos e actos menos “abonatórios”, mesmo perturbadores. Mas no “cinzento” da velhice é ainda a memória do que o avô (e pais) contava e a ternura desses momentos de infância que funcionam como um sol criador, mesmo que tão só um sol de inverno.

De linguagem muito simples mas muito correta, são 13 pequenos capítulos de um conto que sublinha a importância das relações humanas, cuja memória torna presente os que morrem e alimenta o fim inevitável. “O sol é criador, mesmo o sol de inverno…”

Texto original publicado no Escola/Informação n.º 306 | nov./dez. 2023