Artigo:Ainda a guerra contra os professores e a função pública, Domingos Lopes, 30/11

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Ainda a guerra contra os professores e a função pública

Esta é a guerra invisível contra os professores e a função pública: tirar aos pobres para dar aos mais ricos.

Na guerra contra os professores há uma escondida e outra que é mais vasta. Começou com José Sócrates. O Estado não podia ter tanta despesa com os professores. Aflorou-se o que viria a ser a grande linha de ataque: não há direitos intocáveis. Todas as classes e camadas sociais vivendo do trabalho tinham de se acostumar à nova ideia — emagrecer o Estado, o que vale dizer cortar vencimentos e pensões.

Para tanto e seguindo os ensinamentos de Hobbes na sua obra Leviatã, todos tinham que se posicionar contra todos. Deste modo, o príncipe podia decidir a seu gosto. Num país em que a inveja dói, jogaram-se profissões contra profissões pretendendo-se que umas apontassem às outras privilégios que tinham de ser banidos. Eram os “privilégios” dos magistrados, dos médicos, dos enfermeiros, dos professores, dos funcionários públicos os responsáveis pela crise. Tinham vivido acima das suas possibilidades. E havia que atirar o reformado contra o professor, o enfermeiro e o médico em luta pelos seus direitos e pela dignidade da profissão. No novo mundo globalizado, profissões e carreiras não existem. Apenas mercados loucos de fome e à espera da submissão para investir. Os mercados é que mandam. Até o Presidente Cavaco Silva passava os dias a lembrar a realidade financeira, fazendo-lhe a devida vénia.

Com Passos Coelho, Paulo Portas e Assunção Cristas, com o beneplácito e incentivo da troika, os professores e a função pública foram tratados como sendo inimigos das finanças públicas por quererem aumentar a despesa. O trio e a troika tiveram o desplante de proclamar a um país pobre que o problema era saber fazê-lo empobrecer mais. E empobreceram. Foram quatro anos de punição severa. A realidade foi o que se viu, no limiar da pobreza está mais de um quarto dos portugueses.

Cristas deixou esta imagem de marca. Um rasto de destruição social. Bem pode pregar aos portugueses porque quando teve a possibilidade de governar bem, fê-lo a pensar nas privatizações e no empobrecimento; governou pessimamente, não há volta a dar. Por mais casos que se criem, por mais redemoinhos que apareçam, por mais que o Governo revele uma propensão acentuada para a asneira nos últimos dias, Cristas já governou e fez do empobrecimento a sua lei; agora, os bairros sociais e as estações de metro são só para chegar ao poder. Bem pode escrever meia dúzia de cartas aos portugueses e conseguir até que os jotas as divulguem — ela já governou muito mal; empobreceu o país em consciência.

Os professores sofreram na carne os cortes, os congelamentos e a ignomínia de serem apontados como gente pouco honrada, que só pensavam em greves e em manifestações e no seu umbigo. Foi esta a imagem transmitida.

Como se um país que queira ter futuro não tenha que tratar com respeito e dignidade aquelas e aqueles que vão ensinar os futuros cidadãos, os quadros e as elites de Portugal, como se esta profissão não fosse para ser considerada como estratégica para o progresso e o desenvolvimento do país.

Como se não nos recordássemos, na nossa memória longínqua, do papel de tal ou tal professor na nossa formação, que para sempre nos deixou a marca de nos ensinar a querermos aprender para sermos melhores.

Ensinar é uma das mais belas atividades humanas. Que seria de nós se não houvesse quem nos ensinasse? Sim, é importante haver quem ensine. E seria de esperar que a sociedade incentivasse a aprender os que estão na idade dos vários escalões escolares.

Com o novo Governo de Costa, Cristas e Passos capitanearam manifestações contra o ministro da Educação porque queriam que o Estado continuasse a pagar o ensino privado. Já não havia gorduras, só a tal liberdade de todos os zés-ninguém pagarem os colégios privados, isto é, em vez de serem os pais a pagarem os estudos dos meninos nos colégios privados, eram os portugueses que os pagavam.

É neste ponto que surge a guerra invisível contra os professores. Estes defensores dos cortes e dos congelamentos pretendem que o ensino se degrade e que a escola pública não passe de um local sem qualidade e sem futuro. Desrespeitar os professores, desprotegê-los nas suas carreiras e no seu embate com os pais dos alunos, “deportá-los” para terras distantes a centenas de quilómetros das suas casas.

Se os professores forem mal pagos, se forem tratados como uma profissão de malandros, o que vai suceder? Ninguém quer ir para professor... Quem irá e com que aptidões?

Num ensino degradado, sem futuro face à razia levada a cabo, avançará a privatização da Educação. Quem quiser que os filhos aprendam tem de ir para o privado que o Estado financiará para que os ricos se possam reproduzir com o dinheiro dos pobres. Aí já não haverá gorduras, apenas uma gestão eficiente em que os mais favorecidos, no plano social, terão à sua mercê privilégios do Orçamento Geral do Estado.

Esta é a guerra invisível contra os professores e a função pública. Tirar aos pobres para dar aos mais ricos. Se o SNS não for eficiente, se a Justiça não funcionar, se as funções do Estado falharem, só falham para os mais necessitados. A minoria social cheia de dinheiro tem sempre à mão o que precisa. Até engendrou planos para os pobres lhes pagarem os luxos.

A globalização levada a cabo por estes atores políticos significa a subversão do Estado social e a sua transformação num campo de batalha em quem mais tiver quer tirar o que puder aos que pouco têm.

Assim o país será competitivo e os investidores, seguros de grandes e chorudos lucros, investirão e levarão de cá couro e cabelo. Nesses não se pode tocar, estão ungidos de santidade mercantil. Sempre haverá por cá quem seja bafejado por tão nobres cavalheiros. Cumprir-se-á, então, o desígnio de Passos e finalmente Portugal será de quem der mais pela bagatela da mão-de-obra. De Passos ou de quem vier a seguir no PSD. Se o PS quiser.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Advogado