Artigo:Abril e o sindicato na escola

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Abril e o sindicato na escola

Manuel Guerra
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Coordenador da Informação |

 

SPGL tantos anos como Abril! Este é o ano lectivo e o ano sindical em que celebramos o 50.º Aniversário do 25 de Abril de 1974 e do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL), formalmente nascido no dia seguinte ao primeiro 1.º de Maio em Liberdade, ainda que a sua génese remonte ao período da resistência ao fascismo, designadamente através da acção levada a cabo pelos nossos colegas que, mesmo nas condições mais difíceis, dinamizaram a actividade daqueles que viriam a ser reconhecidos, após diferentes etapas e formulações, entre 1969-1974, como Grupos de Estudo do Pessoal Docente do Ensino Secundário e Preparatório. Como afirmará o editorial de O Professor no seu primeiro número, de edição dupla, após o 25 de Abril: «Da semente dos GEPDESP brotou então uma realidade qualitativamente superior — o Sindicato dos Professores.» 

Homenagem justa seja feita também a todos os homens e mulheres que lutaram heroicamente contra a natureza criminosa da ditadura, muitos dos quais sacrificando a própria vida em perseguições, prisões, torturas, condenações, assassinatos, sem poderem, assim, conhecer e viver o tempo da liberdade e dos direitos. Sim, foram estes homens e mulheres os primeiros a resistir e a construir, nas mais variadas frentes, a esperança para a tão desejada «festa» cantada por Chico Buarque. Homenagem justa seja feita ainda aos «capitães de Abril» que no dia 25 de Abril e no processo revolucionário que lhe sucedeu, acompanhados desde cedo por um levantamento popular, na célebre aliança Povo-MFA, procuraram libertar Portugal e iniciar uma viragem histórica.

 Considerando a importância das comemorações do 50.º Aniversário do 25 de Abril e do nosso Sindicato, a nossa acção, enquanto professores, educadores e investigadores, mas também enquanto activistas, delegados e dirigentes sindicais, é insubstituível. Seja na sala de aula, na escola ou na «esquina» onde espreita um amigo, a nossa acção é determinante para celebrar Abril.

Celebrar Abril tendo desde logo presente o que significou, as transformações que comportou, contrariando assim as tentativas de apagamento do seu horizonte e aqueles que procuram reescrever ou apagar o significado da Revolução. 

Lembre-se bem: a libertação de Portugal de 48 anos de fascismo e da opressão; o fim de treze anos de guerras coloniais onde foram sacrificadas famílias e gerações de jovens, uns pela via da guerra, outros pela via da emigração, e a afirmação de uma política externa que se deve reger pela paz entre os povos; o reconhecimento da independência dos povos em luta há vários séculos submetidos ao colonialismo; o fim do isolamento internacional do País; a consagração dos direitos fundamentais dos cidadãos e dos princípios basilares da Democracia que viriam a ficar plasmados na Constituição da República Portuguesa (1976). E mesmo que muitos pretendam recontar a História, há ainda outras conquistas que decorrem do período revolucionário que floriu em Abril, nomeadamente, entre tantas outras: a institucionalização do salário mínimo nacional, das reformas e das pensões mínimas, o direito à segurança social para largos sectores da população, o alargamento do direito a dias de férias, o subsídio de férias, o 13.º mês, a licença por parto, a redução do horário de trabalho, a protecção no desemprego, o reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência e dos idosos… e o reajustamento das letras dos professores, passo fundamental na dignificação e revalorização da profissão docente (Dec. Lei 290/75, de 14 de Junho).

Não menos importante foi o combate ao obscurantismo e à degradação moral da sociedade, às discriminações a que mulheres e jovens estavam sujeitos, à subalimentação de grande parte da população e ao analfabetismo. Sim, Abril criou condições para a introdução de alterações no sistema educativo em Portugal, por forma a garantir o acesso de todos os portugueses à educação e a todos os níveis de ensino, independentemente das suas condições socioeconómicas. Nessa época, Portugal tinha uma taxa de analfabetismo de 49% e mantinha níveis impressionantes de segregação social e escolar, como se pode confirmar com o facto de apenas 5% dos estudantes do ensino superior serem originários de meios operários e camponeses — a propósito, importa aqui lembrar o envolvimento que vários dos nossos colegas e sócios tiveram nas campanhas de alfabetização.

Enfim, inúmeras transformações progressistas no ensino, na saúde, na economia, na cultura, no desporto, no ambiente, que representaram passos importantes no caminho por um Portugal melhor.

Mas celebrar Abril é também estar atento e dar firme combate aos ataques às suas conquistas. Sim, as conquistas de Abril, consagradas na nossa Constituição, são demasiado importantes e profundas para sucumbirmos à tentação da indiferença, nomeadamente considerando as vagas mais ou menos visíveis de enfraquecimento a que os respetivos direitos políticos, económicos, sociais e culturais sistematicamente estão sujeitos. 

Intervirmos perante a situação que a nossa Escola Pública atravessa, fruto da acção de sucessivos Governos e da falta de soluções há muito apontadas pelo SPGL e os sindicatos da FENPROF, é também celebrar e continuar Abril. E ainda que sejam inegáveis os avanços significativos na democratização do acesso ao ensino trazidos com a Revolução, não podemos alhear-nos dos indicadores em que Portugal continua na cauda da União Europeia, como, por exemplo, a taxa de analfabetismo de 3,1%, com cerca de 300 000 sem saber ler nem escrever e com apenas 52% a ter concluído o ensino secundário ou superior, quando a média da UE é de 78% (dados dos censos de 2019). Sinal igualmente preocupante é o do orçamento para a educação, muito longe da meta de 6% do PIB, conforme recomendação da UNESCO e da OIT, ou a falta de um verdadeiro modelo de gestão democrática que potencie uma participação efectiva nas escolas e uma formação integral.

Mas, colegas, camaradas de luta,

Porque os direitos se defendem exercendo-os, estaremos também a comemorar Abril nas nossas escolas, a verdadeira sede do nosso Sindicato, dinamizando a actividade do nosso núcleo sindical, reunindo, discutindo, mobilizando outros activistas ou elegendo/fazendo-nos eleger delegados sindicais. Não podemos aceitar os ataques, tal como aconteceu recentemente, perpetrados contra a liberdade sindical. Lembremos os entraves colocados ao direito à greve, no último ano lectivo, com a aplicação de verdadeiros serviços máximos, ou mais recentemente os entraves que colegas, delegados e dirigentes sindicais encontraram por parte de algumas direcções de AE/ENA para a afixação de pendões nos quais se aponta um problema que todos deve convocar: Faltam professores. É urgente valorizar a profissão. Pela escola pública, a luta continua!

Construindo colectivamente o rumo da nossa acção, e lembrando o percurso dos nossos colegas que outrora sonharam um Sindicato «mesmo na noite mais triste / em tempo de servidão», demonstramos que «há sempre alguém que resiste / há sempre alguém que diz não.» 

Somos muitos, muitos mil, 

para continuar Abril!

 

O autor escreve segundo o anterior acordo ortográfico.

Texto original publicado no Escola/Informação n.º 305 | Setembro 2023