Artigo:A voz a quem entra | À conversa com Raquel Coelho

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a voz a quem entra

Sara Covas | Dirigente Sindical

Raquel Coelho tem 28 anos. Atualmente no 2.º ano do Mestrado em Ensino de Português no 3.º Ciclo e Secundário, enfrenta os desafios de um estagiário: as propinas para pagar, um trabalho para conciliar com o estágio, aulas observadas e a exigência de um relatório final. Nada que a esmoreça, pré-sindicalizada este ano, sabe que o caminho é de luta.

S.C.: Qual é o sentimento entre os estudantes e as principais queixas que existem em relação aos estágios?

R.C.: No meu ano de mestrado, entre os colegas da área e os restantes, o ambiente era de muita esperança com a conversa dos estágios remunerados. Muitos de nós estávamos a fazer grandes sacrifícios para estar ali, a tentar equilibrar trabalhos full-time com um mestrado pós-laboral. Com o aproximar do final do ano letivo fomos percebendo que o decreto não entraria em vigor a tempo dos nossos estágios. Alguns colegas decidiram ficar um ano à espera. Aliás, acho que a maioria ponderou isso, por essa altura estávamos todos esgotados. Os colegas que estão agora no 1.º ano vinham também entusiasmados com a possibilidade do estágio remunerado. Enfim, acho que há aqui uma falta de seriedade no tratamento destes estudantes. Da parte das faculdades eles sabem bem as condições de estudo em que muitos de nós estamos, nem desconhecem que uma grande parte dos estudantes já eram professores não profissionalizados. Esta última questão liga-se diretamente às queixas em relação aos estágios. Podes até ter 3 anos de serviço que terás na mesma de passar um ano letivo a assistir a 16 horas semanais de aulas do teu professor cooperante. E esta ideia de passar 16 horas a assistir às aulas de um colega, como se, na verdade, voltássemos ao ensino obrigatório, tem muito pouco de produtivo.

S.C.: A verdade é que a ideia de os estagiários terem uma turma e uma remuneração, era mais uma forma do governo colmatar a falta de professores do que propriamente estarem interessados ou preocupados com a nossa formação. A parte pedagógica continua muito afastada daquilo que é a realidade das escolas.

R.C.: Acho que é uma situação com duas vertentes. Por um lado, há um distanciamento enorme na abordagem de muitos professores em relação à realidade escolar. Isto passa por não incluírem os verdadeiros desafios nos seus planos, como acomodações pedagógicas, novos modelos de avaliação, falta de motivação, sobrecarga de trabalho, turmas muito grandes. Chega ao ridículo de nos dizerem para imaginarmos turmas perfeitas quando estamos a planificar. Entre o corpo docente dos mestrados de ensino também há uma grande desmotivação e até impreparação de alguns professores.

S.C.: E mesmo assim, ainda há quem queira abraçar esta profissão e lute por ela. O que te move?

R.C: Os alunos! E certamente que a visão de um mundo melhor entra nessa equação. Ensinar é um ato político. Desde os meus tempos de aluna que me indignavam as horas excessivas na escola, os professores mal preparados e a falta de lugar de fala dos alunos. Também me inspiravam os professores que inovavam, nos tornavam o centro das aulas. É um privilégio trabalhar com adolescentes e construir conhecimento com eles. Acredito muito na educação, na sua importância individual, mas também coletiva. Isso dá-me força para lutar por um ensino público melhor. Os alunos precisam de mais e diferente, as escolas precisam de ser renovadas, e os professores precisam de condições laborais.

Texto original publicado no Escola/Informação n.º 307 | jan./fev. 2024