Artigo:A voz a quem entra | À conversa com Luís Martinho

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A voz a quem entra

À conversa com Luís Martinho

Luís Martinho tem 26 anos. É professor há quatro anos e, apesar de ter habilitação profissional, continua sem conseguir ter acesso à carreira. É professor contratado no Agrupamento de Escolas Queluz-Belas, o maior agrupamento de escolas do concelho de Sintra.

Sara Covas
Dirigente Sindical

Sara Covas: Tens quantas turmas?

Luís Martinho: Oficialmente, são doze turmas. Cinco turmas de Filosofia. Sete turmas de Psicologia. As turmas de Psicologia estão juntas por turnos: cinco turmas num turno, duas turmas noutro turno.

S.C.: O que deu em quantas reuniões intercalares?

L.M.: Deu em 12 reuniões. Tendo em conta que cada reunião pode durar até 2 horas, traduzia-se numa média de 6 a 10 horas de reuniões, dependendo do ritmo e da especificidade de cada turma.

S.C.: É um excesso de trabalho que se traduz em muito pouco.

L.M.: Em muitíssimo pouco. Traduz-se em sobretrabalho que não possui conteúdos palpáveis, muito menos fecundos. O melhor tipo de trabalho é aquele para o qual sobra sempre pouco tempo, e contra o qual inúmeras distrações burocráticas obstam: o trabalho com os alunos

S.C.: A greve ao sobretrabalho é uma das nossas lutas. Achas que a organização do calendário escolar em semestre fez aumentar o sobretrabalho?

L.M.: A organização do calendário escolar em semestres aumenta, no geral, a carga de trabalho — proporcionalmente, aumenta o sobretrabalho. Temos mais reuniões, fazemos mais atas, mas não acompanhamos mais os alunos na aprendizagem, nem dentro, nem fora da sala de aula. Passamos mais tempo agarrados a computadores, em plataformas, a tratar de papelada.

S.C.: Há formação no mestrado em ensino de Filosofia para lecionar Psicologia?

L.M.: A formação no mestrado em ensino da Filosofia é altamente localizada. Ou seja, não é dirigida para o ensino da Psicologia, Da Área de Integração (disciplina que também lecionamos), nem mesmo para o próprio ensino da Filosofia. Como está montada atualmente, consiste em cadeiras avulsas, ora científicas, ora didácticas, mas em momento algum, exceptuando o momento pedagógico do mestrado em ensino, existe uma orientação pedagógica para a prática de ensino.

Durante a licenciatura de Filosofia não temos oferta de cadeiras de Psicologia, para frequentarmos. No mestrado temos uma, unicamente: Psicologia do Ensino. Como o nome indica, em nada reflete o teor científico das aprendizagens essenciais específicas da Psicologia. Área de Integração é outro caso flagrante. Por se tratar de uma disciplina de teor rapsódico, que mescla saberes de Economia, Geografia, Geologia, Biologia, Geopolítica, professores de Filosofia que leccionem Área de Integração, à semelhança da leccionação da disciplina de Psicologia, estão bastante mal preparados.

Podemos ser cidadãos do mundo, e, na generalidade, seres curiosos, porém, isso não substitui uma formação científica nessas áreas, e representa, para o professor, um duplo esforço de aprendizagem. Por ter de aprender saberes com os quais não está de modo algum familiarizado.

S.C.: Estás sindicalizado há um ano. É importante para ti?

L.M.: É. Foi algo que estava planeado há alguns anos. Concretizou-se na altura correta. Não somos espectadores no grande palco do mundo que assistem ao desenrolar da história. Somos agentes e ingredientes da história das comunidades humanas. Achei que não servia de nada ficar a pensar como o mundo podia ser melhor. O mundo é também feitura dos Homens, da ação organizada dos Homens. Portanto escolhi sindicalizar-me.

Texto original publicado no Escola/Informação n.º 306 | nov./dez. 2023