Artigo:A voz a quem entra | À conversa com Inês Costa

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A voz a quem entra | À conversa com Inês Costa

Inês Costa começou a dar aulas com 21 anos e cedo sindicalizou-se. Hoje, dois anos depois e prestes a terminar a sua profissionalização, é delegada sindical na sua escola (EBS Ibn-Mucana, Cascais).

Sara Covas
| Dirigente Sindical |

Sara Covas: O que te fez ser professora? Ainda se pode falar em vocação? 

Inês Costa: Poderia dizer que o sonho de ser professora surgiu na infância, que desde cedo idealizei encontrar-me numa sala de aula diante de uma turma. Contudo, não foi uma vontade que tivesse até ao meu 12.º ano, a poucos meses do fim da escolaridade obrigatória. Sempre nutri paixões por áreas muito diferentes, mas, ao longo do Ensino Secundário, houve uma que acabou por sobrepor-se a todas as outras: a literatura. Percebi que a palavra literária é, muito mais do que uma construção artística, uma verdadeira arma – uma arma contra a opressão, bem como de construção e difusão dos ideais que podem elevar uma sociedade. Compreendi também que todo este potencial transformador era ignorado, negligenciado, inclusivamente nas escolas. Nasceu, então, a vontade de fazer junto de outros o que sentia que faltava na escola que conheci enquanto aluna: ser, sobretudo, um ponto de encontro entre os jovens e a palavra; mostrar-lhes o poder de ler o pensamento de outros e de se formular um pensamento próprio; levá-los a descobrir que a literatura não é um conjunto de obras cuja leitura se exige na escola, mas sim uma das mais belas manifestações do que significa ser-se humano, um meio de união, de fortalecimento do coletivo.

Quanto à vocação, julgo que a motivação inicial persiste. Todos os dias me deparo, tal como os meus colegas, com os problemas atualmente subjacentes à escola e à profissão. Se, por um lado, um certo desalento se instala, reforça-se igualmente o desejo de lutar pelo ideal em que acredito. Enquanto professores, encontramo-nos na base da formação de toda uma sociedade e, como tal, devemos dar seguimento à luta pelo que consideramos ser uma escola que verdadeiramente instrui e guia os jovens no caminho da construção do mundo.

 

S.C.: Para ti, qual a importância do Mestrado em Ensino?

I.C.: Considero a frequência de uma formação inicial de professores essencial e não tenho dúvidas quanto à sua importância. As questões que coloco relativamente ao Mestrado em Ensino prendem-se com a formação que é realmente oferecida. Como estudante do Mestrado em Ensino de Português, que me encontro a finalizar, julgo que são poucas as disciplinas de base teórica que de facto correspondem ao que seria expectável na formação de docentes. Por outro lado, à componente prática do Mestrado associam-se diversas problemáticas, como as desigualdades sentidas entre mestrandos, a falta de uma sólida formação teórica e a ausência de remuneração pelo trabalho realizado nas escolas durante o estágio profissional. Creio que a desvalorização da profissão docente começa na própria formação inicial, que contribui para o agravamento do desinteresse pela carreira. É necessária uma real restruturação dos Mestrados em Ensino, não só no sentido da formação dada, mas também no que respeita ao contributo pela atratividade da profissão docente.

 

S.C.: Para uma professora contratada, sem habilitação profissional, faz diferença ser sindicalizada?

I.C.: Como docente a terminar a profissionalização para ingresso na carreira, vejo a necessidade de existência de uma verdadeira união dos profissionais, sendo que a sindicalização é um dos meios mais profícuos de a atingir. A luta pela construção de uma carreira com condições e de uma escola púbica de qualidade tem sido longa e intensa, mas é necessário dar-lhe continuidade. Enquanto delegada sindical recém-eleita, desejo ser parte dessa continuidade e ajudar a unir colegas até hoje afastados da luta pela causa docente. Afigura-se-me essencial ser um dos muitos rostos de um sindicato que visa o bem-estar de todos os profissionais da educação, de forma a que se alcance finalmente o ensino que há tanto desejamos.

Texto original publicado no Escola/Informação Digital n.º 41 | Outubro 2023