Artigo:A transição energética, os negacionistas e nós

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A transição energética, os negacionistas e nós

Joaquim Carvalho | Dirigente Sindical

Sem prejuízo das certezas científicas de que as alterações nos padrões climáticos têm um cariz antrópico e que estas exigem, urgentemente, uma alteração nos modos de produção de energia, verificamos, porém, uma manifesta e generalizada incapacidade comunicativa do mundo académico para este problema, na qual a Geografia e demais ciências ambientais, têm acrescidas responsabilidades. A esta incapacidade crónica da academia em “falar para fora”, acrescem os ventos negacionistas que contaminam todo o debate que, concluído o diagnóstico, deveria nortear-se pela busca de soluções. 

O consenso generalizado em torno das alterações climáticas existe, mas este não impede que um grupo, apesar de minoritário, mas extremamente vocal e beneficiando da era da democratização das opiniões, incluindo as mais abstrusas e boçais, possa exercer o seu direito à negação de uma realidade que deveria ser intuitiva e autoexplicativa. Na outra ponta da mesa, temos a comunidade científica mundial mainstream, cujos protagonistas têm revelado uma desconcertante incapacidade de capitalizar ganhos de causa, sobretudo aquando de momentos decisivos e mundialmente mediatizados como, por exemplo, na recente COP 28.

É, de resto, curioso que face a um eminente e retumbante falhanço nos compromissos finais, já em período de descontos, lá se anunciou, para efeitos de manchete, um importante compromisso no aumento ao recurso a fontes de energia renovável. Quanto ao resto, fica quase tudo como estava. Esperamos, cinicamente, que na já anunciada COP29, e cujo país anfitrião é o Azerbaijão, (também ele um estado altamente dependente da economia dos combustíveis fósseis), se afigure possível uma transição de discursos ocos para ações concretas.  Na verdade, nada disto importa se não encararmos o facto de estarmos perante uma transição energética desenhada e voltada para o esforço dos contribuintes e não para as multinacionais do ramo. Vejamos os vários impostos sobre o consumo de combustíveis fósseis nos países europeus, vulgarmente denominados de impostos verdes, que invariavelmente recaem sobre o consumidor. Esses impostos servem, na prática, como financiamento às grandes multinacionais para que estas operem essa transição. Isto porque, algures no passado, a maioria dos estados optou, como ditam as boas práticas liberais, por privatizar a sua autonomia estratégica, abdicando da sua mais importante arma democrática: força para implementar decisões coletivas.

Este tipo de contradições e o agravar das condições de vida de uma boa parte da população, alimentam a descrença e desconfiança dentro do sistema.  A ausência de respostas concretas para problemas reais, por parte de governos e entidades supranacionais, atira indivíduos para as fileiras dos negacionistas das alterações climáticas, indivíduos aos quais as evidências científicas não são, de todo, alheias ou incompreensíveis, mas antes parte de uma equação que está, por ora, incompleta.  

A tendência para sobrevalorizar o sujeito na sua ação individual, amputando-o do coletivo e inculcando-lhe um sentimento permanente de culpa que, perante um problema de dimensões colossais, leva, inevitavelmente, a uma espécie de comiseração coletiva e um generalizado sentimento de fracasso. Década após década, de cimeira em cimeira, falhanço após falhanço, o sentimento de culpa avoluma-se. Numa arquitetura onde os custos da transição, esmagam a condição económica dos indivíduos, as preocupações com o futuro do planeta, são, paulatinamente, substituídas com outro tipo de angústias e inquietações que, em bom rigor, se afiguram mais concretas e objetivas do que as abstratas “pegadas ecológica” ou a “emissão de CO2 per capita”. 

Texto original publicado no Escola/Informação n.º 307 | jan./fev. 2024