Artigo:Em Abril a Liberdade...

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Em Abril a Liberdade...

Para a minha neta Maria que celebra o seu 9º aniversário no dia 25 de Abril... 25 de Abril

Nós acordámos de madrugada ao som da "Grândola vila morena" e ligámos todos os rádios e a TV.

Nós corremos a comprar todos os jornais não visados pela comissão de censura.

Nós ouvimos hinos, horas a fio, intervalados por breves comunicados do MFA, que nos aconselhavam a permanecer em casa para nossa segurança.

Nós desobedecemos e enchemos as ruas e as praças da cidade para estarmos ao lado dos militares de Abril.

Nós abrimos as janelas de par em par, escalámos muros, subimos a árvores, para não perdermos um segundo dessa manhã mágica.

Nós oferecemos roupa, comida, cravos vermelhos e muitos sorrisos aos soldados que permaneciam nos seus postos há mais de 18 horas.

Nós estivemos ao lado do MFA, desde a primeira hora, os primeiros momentos. Eles detinham as armas que não dispararam, nós a esperança nos amanhãs que cantam. Nós fizemos florir cravos no cano das espingardas.

Nós transformámos o golpe dos militares progressistas no breve e sempre amado PREC. Sem o sabermos, nesse dia, nós escrevemos a História.

Nós passámos dias sem comer e noites sem dormir com o rádio sintonizado na Emissora da Liberdade, à espera dos comunicados do MFA.

Nós seguimos cada momento da Revolução dos homens sem sono e escutámos, pela primeira vez em liberdade, as músicas de intervenção dos nossos cantores proibidos.

Nós celebrámos com lágrimas a libertação dos presos de Peniche e de Caxias e solidarizámo-nos com os familiares e amigos que os esperavam com beijos e abraços. Nos seus rostos serenos nenhum sinal de ódio, nenhum apelo à vingança.

Nós quebrámos todas as amarras e quisemos construir um país livre. Nós cantámos com o Sérgio, a paz, o pão, habitação, saúde, educação... Nós gritámos, de punho erguido, que o povo unido jamais será vencido.

Nós lutámos com o Zé Mário, pela paz e pelo pão e pela nossa terra, pela independência e pela liberdade.

Nós fomos ingénuos. Nós sonhámos e acreditámos no sonho.

Nós fomos os filhos da madrugada, que o Zeca imortalizou.

Nós vivemos a Festa nas praças e nas ruas e abraçámos desconhecidos, irmanados num mesmo ideal.

Nós fizemos o V da Vitória aos soldados, sempre, sempre ao lado do Povo. E mil vezes entoámos a Grândola, o hino da Revolução.

Nós tivemos um 1º Ministro a quem chamámos de Companheiro e gritámos Vasco amigo, o povo está contigo.

Nós cerrámos fileiras e nós fomos a muralha de aço.

Nós nacionalizámos a banca para que pudesse estar ao serviço do povo.

Nós aprendemos democracia nas escolas e nas fábricas e pasmai, até mesmo nos quartéis, onde soldados de punho erguido, juraram defender a Pátria.

Nós reivindicámos. Nós organizámo-nos em Sindicatos e enchemos as ruas e praças da cidade.

Nós participámos em campanhas de alfabetização nas aldeias mais isoladas do país. Nós reunimo-nos em assembleias e elegemos representantes, de braço no ar.

Nós ocupámos o latifúndio, criámos cooperativas e iniciámos a reforma agrária. E fizemos a festa em cada jornada de trabalho voluntário, tendo ao nosso lado os cantores da Revolução.

Nós construímos bairros cada um com seu tijolo. Nós ensaiamos o poder popular.

Nós erguemos barreiras e gritámos não passarão, a quem tentou deter-nos.

Nós tivemos no Tejo uma fragata em manobras da NATO, os canhões apontados ao Terreiro do Paço e não desmobilizámos.

Nós vencemos o medo, ao som do Lopes Graça, unidos como os dedos da mão.

Nós fomos o Portugal ressuscitado do Ary depois da fome e da guerra, da prisão e da tortura.

Nós fomos notícia e capa de jornais em todo o mundo.

Nós pusemos fim à guerra em África. Fizemos a descolonização e estabelecemos acordos de cooperação e de amizade com os países libertados.

Nós acolhemos e integrámos milhares de refugiados das ex-colónias. Nós fomos solidários.

E quando chegou Novembro nós não quisemos acreditar. Nós tivemos armas e não disparámos. Nós evitámos a guerra civil.

Mas não nos rendemos . Lançámos ao vento sementes de Abril e acreditamos que elas irão florescer um dia.

E se alguma vez te disserem que o 25 de Abril não existiu, que tudo não passou de uma ilusão, revê as imagens desses dias. Não precisarão de legendas. Elas falarão por si.

Com um beijo da tua avó que te adora.

Alina Maria Sousa

Notas:
MFA - Movimento das Forças Armadas
PREC - Processo Revolucionário em Curso