Artigo:Eleições presidenciais no Peru

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Eleições presidenciais no Peru

De acordo com os resultados oficiais, o candidato Pedro Castillo, professor e sindicalista, ganhou as eleições presidenciais no Peru com mais 63 000 dos votos que Keiko Fujimori, candidata da Força Popular, organização que congrega a direita peruana. Esta é filha de Alberto Fujimori, ex-presidente do Peru que renunciou ao cargo em 2000, condenado a 25 anos de prisão, em 2007, por corrupção, perseguição e assassínio de opositores, bem como pela esterilização sem consentimento de mais de 300 mil mulheres indígenas com a cumplicidade do governo norte-americano da época. Com o seu voto, o povo peruano demonstrou sobretudo nas regiões rurais do país a sua clara rejeição do clã Fujimori.

Como “quem sai aos seus não degenera”, a candidata da direita peruana corre o risco de cumprir uma pena de 30 anos de prisão se forem provadas as acusações de lavagem de dinheiro, obstrução da justiça e outros delitos. Fujimori é suspeita de ter recebido milhões de dólares, não declarados às instituições eleitorais, da empresa brasileira Odebrecht para financiar a sua campanha eleitoral em 2016, em que concorria contra Pablo Kuczynski, um político conservador que acabou, apesar de tudo, por derrotá-la. Em desespero de causa, a filha de Alberto Fujimori, inspirando-se provavelmente em Donald Trump, acusa Castillo de fraude eleitoral com o objetivo de anular 800 mesas de voto em regiões em que o candidato da esquerda peruana venceu claramente. As atas das mesas questionadas serão entregues pela Junta Nacional de Eleições (ONPE) ao Tribunal Eleitoral Nacional (JEN), composto por sessenta, júris que comprovará se houve ou não fraude nas eleições presidenciais. Como a decisão é suscetível de recurso para uma segunda instância, o processo poderá arrastar-se, atrasando o provável reconhecimento da vitória de Castillo. O prémio Nobel da literatura, Mario Vargas Llosa, deposita grandes esperanças na decisão final deste órgão para reverter os resultados e atribuir a vitória a Fujimori. Também em 2016 a candidata que apoia acusou Kuczynski de fraude eleitoral, mas o tribunal considerou improcedentes as suas alegações.

A magra vantagem de Castillo não pode fazer esquecer o que está em jogo neste país latino americano. Pedro Castillo é apoiado pela população rural, descendente dos naturais do Peru massacrados pelos ‘conquistadores’ espanhóis no século XVI, e ainda hoje muito discriminada relativamente à população de origem europeia ou não ameríndia, em que se inclui também Alberto Fujimori e os seus rebentos de ascendência japonesa. Em contrapartida, Keiko Fujimori conta com o apoio e os generosos financiamentos da direita política que representa os grupos económicos financeiros peruanos dominantes,  das classes médio-altas, dos grandes escritórios de advogados e duma parte da intelectualidade urbana, em que se inclui Vargas Llosa, que assim revelam também, como descendentes dos espanhóis e dos caciques, que ‘quem sai aos seus não degenera”, isto é, que não podem ser confundidos com os que provêm da ‘ralé’ indígena exterminada no passado, apesar de terem decorrido mais de 500 anos após a ‘conquista’ castelhana. Mais grave ainda é que estas personagens estão dispostas a abdicar de todos os valores ético-políticos quando consideram que os seus mais caros interesses são postos em causa por uma vitória da esquerda peruana. De facto, apesar da sua candidata ser suspeita de corrupção, não hesitaram em apoiá-la com o argumento de que uma vitória de Castillo transformará o Peru numa “nova Venezuela”.

Na terça-feira Pedro Castillo, após uma queda dos índices bolsistas e da moeda peruana relativamente ao rei dólar, tranquilizou a opinião pública e os grupos económicos e financeiros, afirmando que o seu governo respeitará “a democracia e a constituição atual” e fomentará “a estabilidade financeira e económica”. No entanto, apesar destas promessas, o novo Presidente da República do Peru terá uma vida muito difícil se for confirmada a sua vitória, já que, não tendo os seus apoiantes a maioria no parlamento, estará submetido à guerrilha dos deputados apoiantes de Keiko Fujimori. Se a isto acrescentarmos que o Peru regista, em termos percentuais, o maior número de vítimas a nível mundial por covid 19 – 184 000 em 30 milhões de habitantes –, bem como níveis de pobreza alarmantes – 30% da população –, Pedro Castillo herdará um país a reconstruir.

Joaquim Jorge Veiguinha