Artigo:50 anos de abril

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50 anos de abril

Nota introdutória

O dia 25 de Abril de 1974 foi uma data marcante para a viragem política e social do nosso povo, o derrube do fascismo.

Antes do dia 25 de Abril de 1974 vivia-se há cerca de 40 anos uma política obscurantista e fascista.  Durante esse período, não devemos esquecer os homens e mulheres que lutaram, organizando a resistência do povo português, tendo como objetivos a construção de uma democracia avançada e o fim da exploração do homem pelo homem.

A partir dos anos 60, o povo português foi castigado a todos os níveis por uma guerra colonial longínqua e injusta, onde a maior parte das famílias viviam no terror da ausência ou da perda de um familiar nas três frentes do conflito.

Os capitães de Abril conscientes de que a guerra colonial não resolvia os problemas do povo português nem dos povos colonizados, puseram fim à guerra colonial e derrubaram do regime fascista. Fizeram-no na madrugada do dia 25 de Abril, mas já pela manhã o povo português, juntando-se aos militares de Abril, iniciaram o desenvolvimento da Revolução de Abril, calando as espingardas com cravos vermelhos. Em pouco tempo o poder estava do lado do povo em aliança com o Movimento das Forças Armadas. Constituíram-se e organizaram-se os partidos políticos que fizeram aprovar a Constituição da República Portuguesa, a qual consagrou os direitos entretanto conquistados, tais com o direito à Saúde com a constituição do Serviço Nacional de Saúde e uma Segurança Social com direitos, que persistem e que devem ser defendidos pelas lutas do nosso povo. Os trabalhadores destituíram os sindicatos cooperativos democratizando-os e constituindo a CGTP, Intersindical Nacional construindo a unidade sindical.

A minha atitude e o meu testemunho no dia e após 25 de abril de 1974

Vivia na Moita na casa dos meus pais e era professor provisório desde 1972 na antiga escola preparatória Mouzinho da Silveira na Baixa de Banheira. Levantei-me cedo para iniciar o trabalho, aulas ás 8h30, ainda teria de apanhar o transporte para o local de trabalho. Como era meu costume, liguei o rádio no meu quarto e ouço a marcha militar, mais tarde conhecida pelo hino do MFA, entrecortados por mensagens do Movimento das Forças Armadas aconselhando a calma e para que as pessoas não saíssem de casa. A minha mãe, que estava em casa, na qual trabalhava na sua lida doméstica ou como costureira, ao ouvir o rádio quando saí do quarto perguntou o que se passava, ao que lhe respondi sem demonstrar qualquer surpresa, é um golpe militar. Ela me disse algo de surpreendente, talvez por conversas com o meu pai que era operário oficinal na CP no Barreiro, não saias filho porque é capaz de ser um golpe do general Kaúlza de Arriaga, ao que lhe respondi, vou para o meu local de trabalho, até porque tudo o que aí vier não será pior que a situação política atual. Para enquadrar o diálogo anterior, lembro-me de outro diálogo nas muitas viagens que fiz no barco do Barreiro para Lisboa, quando era um jovem estudante. Estávamos no início da chamada primavera marcelista, sendo que um grupo de jovens estavam numa conversa, onde a opinião dominante era que o regime estaria em fase de abertura política e social, foi nessa altura que um velho barreirense entrou na conversa e disse que não esperassem melhorias económicas e sociais de um regime fascista.

 A minha não surpresa pelos acontecimentos que se estavam a passar no princípio da manhã de 25 de abril de 1974 também se fundaram de ter saído do serviço militar havia relativamente pouco tempo e por tal motivo conhecer o ambiente de mal estar nos quartéis, ligado ao facto de no verão de 1969 ter tido como comandante de pelotão de instrução de artilharia em Vendas Novas, o então tenente Dinis de Almeida, futuro capitão de Abril, que nas aulas de instrução militar nos dizia que a guerra colonial nunca teria solução militar, mas sim uma solução política.

Voltando ao que estava a narrar, pelas 8 horas saí do autocarro na estrada nacional na Baixa da Banheira, subi a antiga rua 13, hoje rua 1º de Maio, a rua contrariamente ao habitual estava deserta, entrei na escola e quando cheguei na sala dos professores só estava um colega morador no Pinhal Novo, não tendo depois chegado mais que dois professores, alunos como seria de esperar não chegaram, os pais ouviram com certeza os apelos na rádio. Cumpri o meu horário de conversa na sala de professores com os que estavam, saí pelas 13 horas de boleia de automóvel com um colega morador na Moita e ao passarmos pela rua 13, que é a rua de comércio da vila, esta já estava ocupada por muita gente que gritavam pelo MFA e gesticulavam o sinal de vitória numa alegria contagiante.

Nos dias seguintes comecei a fazer a ocupação dos painéis informativos da sala de professores com recortes de jornais e com as notícias das dinâmicas civis e militares do processo revolucionário de forma a alimentar a discussão nos intervalos das aulas. Lembro-me que um grupo de professores da escola, do qual fiz parte, reunia fora do horário da escola, tendo também tratado do processo de democratização da escola, tendo-se formado uma comissão administrativa de direção da escola a qual tratou posteriormente da eleição do órgão de direção.

Motivado pelo conhecimento que em alguma medida tive do sindicalismo anterior ao 25 de Abril, o meu pai tal como já escrevi foi ferroviário, frequentei o sindicato dos ferroviários do Barreiro quando era criança para ser consultado pelo dentista que tinha consultório no sindicato, quando tinha idade escolar do agora 1º ciclo ainda saquei de lá alguns livros escolares que na altura tinham inspiração fascista. Poucos dias depois do 25 de Abril assisti a uma sessão pública aberta na sede dos ferroviários do Barreiro, com sala a abarrotar, onde a tónica foi o sindicalismo livre, o apoio e a construção do processo revolucionário.

Na grande maioria dos sindicatos, antes do 25 de Abril, as suas direções eram dominadas por pessoas afetas ao regime fascista de cariz corporativo. Os coletivos dos trabalhadores procuram sempre lutar para entrar nas direções por todas as formas e quando eventualmente havia uma abertura para concorrer a eleições, tinham a coragem de apresentar uma lista representativa. O meu pai fez essa tentativa no Barreiro com outros trabalhadores, mas a lista não passou ao crivo do regime fascista caetanista. O então presidente da Camara Municipal da Moita não assinou um documento que na altura era necessário apresentar para que fosse elegível, com o argumento de ter atitudes segundo ele subversivas, julgo que aconteceu o mesmo a outros membros da lista a apresentar a sufrágio.

O meu pai contestou, pediu uma audiência ao presidente fascista e a resposta ao nível pessoal foi arrasadora, o meu pai não era patriota, o que o deixou muito abalado por algum tempo. Analisando agora o processo, para além do medo que o regime tinha que a lista alternativa poderia de lutar por um sindicato livre, há a acrescentar a circunstancia de o trabalhador em causa ter feito anteriormente uma queixa ao tribunal de trabalho por motivos de carater laboral , tendo o tribunal dado razão ao trabalhador e, como o presidente da Camara do Barreiro era o engenheiro administrador das oficinas do Barreiro e dizem o chefe máximo do regime no distrito, daí todo este conluio patronal, policial e administrativo fascista. Alguém pode tirar a conclusão de  que pelo menos o tribunal do trabalho funcionava, o tribunal funcionou e deu razão ao trabalhador, mas o patronato não pagou retroativamente ao trabalhador por este estar a fazer essa função de chefe de equipa quando recebia pela tabela de operário de terceira, tendo sido retirado de tais funções a partir do veredito do tribunal, concluindo-se que não houve nem havia justiça.

No dia 1º de Maio de 1974, nessa altura os professores ainda não tinham organização sindical de base, pode dizer-se que fui na corrente das massas. Quando entrei no autocarro na Moita pensava que ia comemorar o 1º de Maio no Barreiro, tendo chegado perto do terminal dos transportes fluviais do Barreiro percebi que as pessoas se encaminhavam para o barco para Lisboa, também fui para lá e quando cheguei a Lisboa, segui e participei naquela manifestação de unidade e de erupção explosiva social, já não consegui entrar no estádio 1º de Maio, também já era tarde e lá dentro a jornada estava a acabar, mas nas ruas as manifestações populares continuavam, foi uma expressão de alegria pela paz anunciada e pela luta das liberdades ainda a construir.

Também estive presente de uma forma minimamente organizada na  Reunião Geral de professores para a constituição do SPGL. O meu trabalho sindical quando estava no ativo foi sempre um trabalho de base, de delegado sindical, só depois de me aposentar é que me disponibilizei para fazer parte do Conselho Geral do SPGL, estive nesse órgão uma primeira vez e atualmente aceitei fazer parte do Conselho Geral numa perspetiva de unidade sindical. A propósito tive uma experiência interessante, não me recordo em que data, mas julgo que foi durante o trabalho de organização inicial do sindicato. Uma colega mais informada e conhecendo o meu trabalho sindical na escola e a abrangência que tinha no concelho da Moita, disse-me o seguinte, vai haver em tal dia uma reunião na Escola Alfredo da Silva no Barreiro, uma reunião para organizar em termos sindicais a corda Barreiro, Moita, Montijo, Alcochete e segundo tenho conhecimento não está ninguém do concelho da Moita, se pudesses ir lá… cá está, achei que seria um trabalho de base interessante para as lutas e reivindicações de professores que se avizinhavam e fui, lembro-me que cheguei atrasado por causa dos transportes, apresentei-me e fui integrado sem qualquer contestação. Foi um trabalho coletivo de boa ligação com a direção do sindicato e de diálogo com as escolas do concelho da Moita, recordo que houve uma jornada de luta, uma greve, que teve uma aderência tal, que encerraram todas as escolas do 1º Ciclo, coisa difícil devido estas estarem dispersas.

Uma última nota que poderá ter o seu interesse relativo da atividade sindical noutras épocas. Num evento, que não interessa dizer qual, estávamos num convívio de almoço  numa mesa circular a conversar, diz um professor que foi trabalhador da Lisnave e depois professor da escola onde eu trabalhava… então estava eu na Lisnave, lá eram frequentes os plenários com muitos trabalhadores, saí da Lisnave e no primeiro dia que entro na escola em que fui colocado, na sala de professores, deparo com uma sala cheia e aqui o Joaquim Gonçalves numa mesa a dirigir um plenário de professores, pensei, estou feito, não me livro dos  plenários…ele disse isto com um espirito de conversa de mesa, até porque foi sindicalizado no SPGL e participou na vida sindical de forma livre.

Estamos num tempo em que o sindicato deve continuar e aprofundar a ligação aos sócios nas escolas e a continuar a procurar a unidade na ação tanto ao nível reivindicativo dos problemas reais e específicos dos professores, procurando que a luta tenha contornos nacionais colaborando com a FENPROF, não descurando as lutas sociais em diálogo com outros sindicatos nas Uniões e na Intersindical Nacional.

Joaquim Martins Gonçalves