Artigo:Em jeito de homenagem a Baptista Bastos

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EM JEITO DE HOMENAGEM A BAPTISTA BASTOS

Baptista Bastos (o BB) esteve sempre ao lado das lutas dos professores. No SPGL conhecíamo-lo bem. Sempre presente, sempre solidário.

Nestes dias da sua morte, e como singela homenagem, aproveitamos um texto de Paulo Sucena, de 2005, intitulado, ”Em torno da obra romanesca de Baptista Bastos”, proferido numa homenagem a BB, no Teatro 1º Acto. Dele tiramos os excertos que se seguem. No próximo EI (de Junho) retomaremos este texto.

“Há dois ou três anos atrás, numa breve recensão ao último romance de Baptista-Bastos, escolhi dez palavras, entre outras possíveis, para definir o autor de O Cavalo a Tinta-da-China: integridade moral, rigor ético, coragem cívica, coerência política, talento literário”. (…)

“O que pretendo relevar na substância dessa afinidade (entre Manuel Alegre e Batista Bastos) inscreve-se no terreno ideológico, porque ambos eram do NÃO num tempo em que fácil era ser do sim e nunca houve trinta dinheiros que os comprassem. Com a mesma firmeza e com a mesma confiança ambos recusaram a condenação da sua pátria a um lugar de exílio. Cada um a seu modo promoveu a sua própria demanda da pátria não só na acção política mas também com o bronze das palavras.” (…)

“A obra romanesca de Baptista-Bastos é o extraordinário filme dessa demanda, esmaltado de momentos de rara beleza, numa busca constante e afincada da palavra, da frase, do ritmo, do estilo que melhor lesse e recriasse a realidade até a transmudar numa realidade outra – a espantosa realidade dos seus romances, tanto mais fascinante quanto prenhe de inesgotáveis significações. Estamos perante uma obra em movimento, com grandes campos de significação de que agora destaco apenas um para fechar esta leitura de Baptista-Bastos e Manuel Alegre em parceria. Refiro-me à condenação que ambos fazem do regime fascista, à denúncia das suas opressões, à instigação ao seu combate e ainda à jubilação da Revolução de Abril e ao pungente desencanto gerado pelo esfacelar dessa bela utopia que era a da criação de uma terra sem amos”. (…)

“O dizer em O Secreto Adeus, tal como em O Passo da Serpente, é simultaneamente aflito e altivo e criticamente assumido por quem sabe que derrotados são só aqueles que desistem de lutar, ainda que lutar seja por vezes apenas resistir. Creio não ser ousadia afirmar, desde que não sejam lidos de uma forma radicalmente absoluta, que dois versos de Rainer Maria Rilke incidem num subtexto que percorre, entre outros veios, a obra de Baptista-Bastos: “Quem falou em vitórias?|Suportar é tudo”. Mas é nos momentos em que a bacidão da vida, o azebre da memória, a nostalgia da aventura irrealizada, a ausência da fulguração do sonho mais se fazem sentir que simultaneamente cintilam os mais elevados valores da humanidade e um sopro ético com tonalidades ora dramáticas, ora elegíacas, ora líricas invade os humanos e percorre a sua interioridade até alcançar a raiz da sua dignidade, lugar onde nasce a força para um homem se merecer e merecer a vida. Esta, creio, é a nova dimensão da obra romanesca de Baptista-Bastos”. (…)

“É nesse pressuposto que considero a obra de Baptista-Bastos uma das mais fortemente estimulantes de entre todas as da literatura portuguesa contemporânea. Por ela perpassam consciências em crise intentando a visita ao amor num tempo avaro em valores, relapso à comunhão humana, à construção de puros e generosos projectos colectivos, um tempo em que os humanos se movem mais por caminhos solitários do que solidários, um tempo em que se desceu com frequência aos infernos, um tempo em que uma personagem de O Passo da Serpente pensava que “a vida era insuportável a partir das seis da tarde e o conhaque a essa hora era o bom companheiro para a noite”. É uma obra que também dá nota de um tempo fulgurante e jubiloso nascido da Revolução de Abril que parecera ter aberto as portas do dia inteiro, inicial e limpo de onde manavam finalmente as forças necessárias à construção livre da pátria amada, durante 48 anos envilecida e aprisionada pelo regime fascista. Tempo breve, convulsamente estrangulado e substituído ao longo dos anos por um tempo outro de onde desapareceu o rosto confiante do povo e a voz álacre e decidida dos trabalhadores. Um pobre tempo sem valores em que, pouco a pouco, o país se vem transformando num caixão vazio a transbordar de sonhos mortos.” (…)