Artigo:Descongelar as carreiras docentes, acabando, desde já, com as ilegalidades que continuam a afetar milhares de professores

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Descongelar as carreiras docentes, acabando, desde já, com as ilegalidades que continuam a afetar milhares de professores

Mário Nogueira, Secretário-Geral da FENPROF

O Ministro da Educação, em declarações diversas, tem demonstrado grande preocupação com a necessidade de combater, eficazmente, o insucesso escolar e assegurar um bom funcionamento das escolas, o que se saúda; todavia, Tiago Brandão Rodrigues tem esquecido um elemento fundamental de garantia do sucesso e do bom funcionamento das escolas, os professores, o que se lamenta.

Todos reconhecem o papel fundamental dos professores naquelas duas frentes e é legítimo exigir deles que, também nesses domínios, cumpram com zelo os seus deveres. O que não é legítimo é que se exija o cumprimento dos deveres e não se respeitem os direitos. Direitos como a estabilidade, sendo mantida uma elevada taxa de precariedade; as boas condições de trabalho, designadamente no que concerne aos horários de trabalho e ao respeito pelos conteúdos das componentes letiva e não letiva; uma aposentação que tenha em conta o grande desgaste a que os docentes se sujeitam na sua atividade profissional e a necessidade de rejuvenescer o corpo docente das escolas; as carreiras que se encontram congeladas há seis anos consecutivos.

Relativamente às carreiras, surgem, de imediato, três exigências: descongelamento das progressões; recuperação dos mais de oito anos de serviço cumprido mas não contado; regularização de todas as situações ilegais que afetam professores.

Sobre estas ilegalidades, destacam-se três: i) manutenção no 1.º escalão de todos os que ingressaram nos quadros (logo, na carreira) após 2013, independentemente do seu tempo de serviço; ii) retenção nos 4.º e 6.º escalões de docentes que, desde 2010, reúnem os requisitos para progredirem, mas aguardam, há seis anos, que sejam publicadas as portarias das vagas; iii) não consideração, total ou parcial, da bonificação devida a docentes que adquiriram novos graus académicos.

A resolução daqueles problemas não constitui um favor, pois estamos perante situações de ordem legal. E por ser essa a natureza dos problemas, não se reivindica qualquer processo negocial, nem se pensava ser necessário recorrer a outras instâncias, nomeadamente aos tribunais, ou não estivéssemos num Estado que se afirma de direito democrático. Estávamos, porém, enganados. É que mesmo com posições da Provedoria de Justiça que reconhecem a razão dos professores, as equipas ministeriais, para algumas situações, desde o tempo da Ministra Isabel Alçada, para outras, durante todo o mandato de Nuno Crato, e a totalidade com a atual equipa ministerial, têm recusado resolver o problema.

Os prejuízos são enormes. Por exemplo, os professores bloqueados no sexto escalão perderam, até hoje, mais de 20.000 euros e os bloqueados no quarto, acima de 11.000 euros. Em relação aos professores que, tendo entrado nos quadros, não foram colocados no escalão em que se encontram os colegas com o mesmo tempo de serviço, as perdas situam-se entre 190 e 1.570 euros mensais.

Em relação a estas situações, a razão que assiste aos professores é inquestionável, contudo, as respostas do Ministério da Educação são negativas e chegam a roçar o absurdo. Sobre os docentes retidos nos 4.º e 6.º escalões, o Ministério da Educação afirma que o problema tem a ver com “o curto espaço de tempo que mediou” entre a publicação da legislação (23 de junho de 2010) e a entrada em vigor da lei que impôs os congelamentos (1 de janeiro de 2011). Isto é, na opinião do atual Ministro, meio ano foi curto para fazer sair uma portaria! Mas o problema de fundo até é outro: tendo estes docentes reunido os requisitos para a progressão antes do congelamento e dependendo aquela de um ato que não era da sua responsabilidade, não poderiam ter sido impedidos de progredir… mas foram.

O ME também usa o argumento do congelamento para justificar o posicionamento incorreto dos docentes que, entretanto, vincularam. Ora, a situação destes docentes nada tem a ver com progressão, mas com a aquisição de uma nova situação profissional, que decorre da sua entrada nos quadros. Já em relação aos docentes que adquiriram os graus académicos de mestrado e doutoramento, o ME faz uma leitura incompleta da lei, omitindo o regime transitório estabelecido em 2010 para, assim, alcançar os seus objetivos penalizadores dos professores.

Depois de termos insistido, com este e ministros anteriores, para que se resolvessem estas situações que discriminam milhares de professores, apenas resta uma alternativa: lutar, em diversas instâncias, para que se resolva o problema, pressionando os deputados dos diversos grupos parlamentares, recorrendo aos tribunais e, na rua, interpelando o Ministro, tanto na “5 de Outubro”, como junto do próprio nas suas deslocações pelo país.

Como tem vindo a ser anunciado, o descongelamento das carreiras poderá estar para breve. O governo anterior anunciava-o para 2019, o atual para 2018 e a FENPROF não desistiu de exigir que tal aconteça ainda em 2017, pois já baste de penalização. Contudo, aconteça o que acontecer, uma coisa é certa: este “acerto de contas”, este “reposicionamento”, a superação desta ilegalidade, chame-se o que se chamar, terá de acontecer, em limite, em 1 de janeiro de 2017. Quando a carreira descongelar, professores com igual tempo de serviço não poderão estar em escalões diferentes, pois isso significaria iniciarem uma mesma corrida em grelhas de partida distintas.

Concluo, insistindo nesta ideia: o ME tem legitimidade para exigir que os docentes cumpram os seus deveres, mas não pode deixar de respeitar os seus direitos. Por diversos ministros e governos, os direitos dos professores têm vindo a ser remetidos para plano secundário. O anterior Ministro vilipendiou-os; o atual, se quer que o tempo seja de mudança efetiva, como anuncia, terá de assumir uma prática de respeito pelos professores, desde logo, pelos seus direitos socioprofissionais.

Lisboa, 23 de novembro de 2016